São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 1995
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Por que protestam os franceses?

GILBERTO DUPAS

Afinal, por que protestam os franceses? Depois de quase 30 anos, qual é a razão para a volta das barricadas às ruas de Paris?
A França vive hoje imensas contradições. País que quer ser moderno, luta por um espaço de liderança na comunidade européia, onde o liberalismo é a regra. Apesar disso carrega um Estado que ainda produz 55% do produto nacional. Percebe que a Alemanha é seu natural aliado na formação do núcleo vital do novo mercado europeu.
Assusta-se, porém, com a nova dimensão do poder teutônico pós-unificação. Giscard D'Estaing defendeu, pouco antes das eleições deste ano, a ampliação do conceito de "europe-puissance" para a idéia de "europe-espace".
Seria a substituição do compromisso radical dos grandes países europeus com a integração da moeda por um amplo e leve acordo de políticas tarifárias aberto a várias nações, inclusive às do leste. O objetivo explícito é dar tempo à França para tentar crescer mais rápido que a Alemanha nos próximos dez anos, reequilibrar o poder relativo e então estudar a integração em melhores termos.
As doutrinas neoliberais machucam especialmente um país que, até hoje, continua tendo inúmeras de suas maiores empresas multinacionais sob controle estatal. Como lembra Alain Touraine em seu brilhante texto de domingo passado na Folha, o setor patronal francês é fraco e os sindicatos praticamente só existem no setor público. Identificados com o próprio Estado, não estão em condição de ajudar a administrar uma transição para uma economia liberal.
Desde 1981, sob a batuta do socialista François Mitterrand, o país anestesiou as feridas dos avanços liberais com o charme discreto do estadista que dava uma no cravo, outra na ferradura. Ministros econômicos de direita, ministros sociais de esquerda. Gesto de dor ao acenar para as reformas indispensáveis em vez do sorriso triunfante do liberalismo vencedor. E assim Mitterrand ia levando no bom estilo francês "coração-à-esquerda-bolso-à-direita". A vitória de Jacques Chirac mudou o quadro.
A campanha eleitoral do início do ano foi dura. O país já sofria as consequências penosas do desemprego estrutural, fruto da modernização industrial e da globalização. Mais uma vez a tolerância francesa com os imigrantes, agora competidores diretos dos franceses, foi testada ao extremo. E uma idéia obsessiva ecoava pela campanha de todos os candidatos: desemprego. A vitória apertada de um candidato liberal que, imediatamente após a posse, acelerou as medidas de ajuste econômico e social obviamente radicalizou o quadro. O confronto tornou-se inevitável.
A França passará por anos difíceis de transição. É um país orgulhoso, que viveu longos períodos de glória e hegemonia sob a liderança do Estado.
As reformas neoliberais são a exigência imediata de uma nova lógica onde competitividade e globalização são os conceitos-chave. O capitalismo vitorioso e implacável vive da contradição entre grande dinamismo econômico e desemprego estrutural. A rota basicamente não mudará. Mas com uma burguesia fraca, um Estado forte e um povo exigente, está claro que a França ainda terá muitos problemas pela frente.

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