São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 1995
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Placebo com vírus

Está no dicionário: placebo é um "medicamento inerte ministrado com fins sugestivos ou morais". São usados também em experimentos médicos nos quais os pacientes ignoram o que estão tomando.
Diante de uma crise fiscal grave e de condições precárias e insustentáveis na área de saúde, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) pode não passar de um placebo para aplacar os problemas do Ministério da Saúde. Pode afinal não ter efeito algum.
Esta Folha esteve entre os que apoiaram e recomendaram a instituição do CPMF, tendo em vista sobretudo atender ao princípio de que sem justiça social e diminuição da desigualdade nenhum modelo econômico faz sentido. Garantir condições de saúde dignas para a população é contribuir para que o esforço de estabilização econômica ganhe conteúdo humano.
Ocorre que a crise fiscal brasileira atingiu tais proporções que a boa idéia original hoje parece minúscula e contraproducente como instrumento de redução mesmo paliativa da desigualdade social.
O vilão do crescimento exponencial da dívida pública interna é, como já se sabe, a política de juros. Repetindo pela enésima vez a expressão do presidente FHC, "escorchantes". Reduzi-los é urgente. Se não é possível, porém, antecipar quando ou quanto cairão os juros no Brasil, ajudaria ao menos ter o máximo de garantias de que a queda ocorrerá, cedo ou tarde.
O CPMF contribui, porém, para dar a impressão contrária, pois poderia ser mais um motivo para impedir ou ao menos adiar a redução dos juros. Sob uma inflação de 50% ou mesmo de 5% ao mês, uma contribuição de 0,25% parece mais palatável que sob uma taxa mensal próxima a 1%. Com inflação muito baixa, esse "imposto" passa a representar um custo operacional relevante para todos os setores da economia. A probabilidade de esse custo ser repassado aos preços não parece pequena, dada a história econômica brasileira recente.
O dinheiro ficaria mais caro para quem precisa tomar emprestado, e o rendimento mais baixo para quem der emprestado. Quanto menor a taxa de juros, maior o impacto relativo desse custo. Aumentaria o Custo Brasil, especificamente seu componente financeiro.
Parte importante do custo, sabe-se bem, é custo fiscal. O juro mais alto aumenta as despesas do governo com juros. Assim, o que se pretendia pudesse funcionar como suplemento de recursos para o governo e para a Saúde, revelar-se-ia afinal aumento das despesas financeiras. E pressões por mais e novos impostos para que o governo possa servir a dívida monstruosa.
Juros altos por mais tempo significa também aprofundar a recessão e prolongar a crise de crédito ainda latente na economia. Mais recessão leva a mais desemprego, queda na renda disponível e, portanto, deterioração nas condições de vida -o que inclui a saúde pública.
Nos anos 30 discutia-se no Brasil a batalha contra a malária. Um sanitarista italiano dizia que "la cura della mallaria sta nella pentola", a cura da malária está na panela. Se para carrear recursos para a saúde for preciso esvaziar as panelas, o que parecia uma solução terá se convertido em agravamento do problema.
O que parecia um remédio mostra-se na prática mero placebo. Sem a menor chance contra o vírus da crise fiscal e financeira.

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