São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 1995
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De ONGs e partidos

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - A decisão da Volkswagen do Brasil de estudar como eliminar, a curto prazo, o trabalho infantil em toda a sua cadeia de fornecedores tem uma face política que pode ser tão relevante quanto a decisão da montadora alemã, em si sadia.
É esta: o governo não teve a mais remota participação na iniciativa. Tudo nasceu de conversas entre dois lados de uma mesma moeda, a sociedade, representada no caso pela Fundação Abrinq, e o empresariado.
Ou, se se preferir de outra forma, trata-se de uma forma de atividade política, no sentido mais amplo do termo, que já é crescente, mas que tende a se tornar ainda mais importante: a substituição dos partidos pelas ONGs (Organizações Não-Governamentais), das quais a Fundação Abrinq é um belo exemplo.
No caso, a Fundação está dando, ainda que sem o pretender, uma lição aos partidos políticos. Poderia ter ficado no mero "denuncismo" sobre o trabalho infantil. Seria mais uma entre muitas denúncias que, na melhor das hipóteses, fazem um ruído inicial e depois ficam esquecidas.
Os principais jornais e emissoras de TV já haviam feito, antes, reportagens-denúncias sobre o uso de mão-de-zobra infantil na extração do carvão que, depois de sucessivas transformações, vai aparecer em algum veículo. Nada adiantou.
A Fundação Abrinq resolveu conversar com as montadoras, antes mesmo da denúncia pública, que de todo modo será feita (dia 19 e não dia 18, conforme este repórter informou ontem incorretamente).
Sabia que elas, de imediato, captariam o potencial de escândalo, no âmbito internacional, da revelação de que crianças são empregadas no início do ciclo produtivo de um veículo.
Pode até dar em nada, mas o início da operação revelou-se mais eficaz do que a até agora estéril negativa das oposições em discutir as reformas propostas pelo governo, o que, ainda por cima, passa a impressão de que consideram aceitável o status quo (tributário, administrativo e previdenciário).
É óbvio que ONGs, como a Fundação Abrinq, não vão substituir os partidos políticos, até porque nenhuma delas tem um projeto abrangente para o país. Mas estão se tornando um dado da realidade política -e não só no Brasil.

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