São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 1995 |
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'Lembro do Jardim Botânico o tempo todo'
MARCELO REZENDE
Um chafariz que não existe mais pois foi derrubado "sob o mais completo silêncio", segundo Callado, para dar lugar a um quartel no final do século passado. Depois do seu fim, restaram do chafariz original apenas Eco e Narciso, preservados no Jardim Botânico e que, por insistência de Callado, voltaram a se unir em uma pequena reprodução que existe no parque, em proporções bem menores do que as originais. As lembranças que o escritor guarda dessa e de outras imagens do Jardim Botânico se misturam à sua própria infância: "Eu me lembro desse lugar desde sempre." Callado não se interessa apenas por sua geografia, mas se preocupa com o que há de história em cada palmeira, monte ou lenda dos caminhos de todo o Jardim. E foi para falar dessas suas paixões que visitou com a Folhao parque criado por d. João 6º. D. JOÃO 6º Você sabe, o coitado do d. João 6º -eu mesmo falo muito mal dele- era um tipo ridículo. Mas ele desembarcou na Bahia e, depois que chegou ao Rio de Janeiro, praticamente o primeiro ato dele foi fundar o Jardim Botânico. Encomendou as espécies vegetais das Antilhas e começou a plantar no Jardim. LEMBRANÇAS Eu tenho lembranças do Jardim Botânico, acho que na minha vida inteira. A primeira vez que eu vim aqui devia ser muito menino. Me lembro dele o tempo todo. As melhores fases, as piores fases. Agora é uma das boas, o Jardim está bem cuidado. Olha como tudo isso está muito bonito. Como o palácio que pertencia a d. João, o orquidário. A Mata Atlântica, ou o que ainda resta da Mata Atlântica no país, começa por aqui. PIQUENIQUES REAIS Em 1972 um raio fulminou a palmeira original que foi trazida das Antilhas por d. João 6º. Mas há ainda a jaqueira do frei Leandro, que tem mais de cem anos. Uma jaqueira linda, uma beleza. Ela fica bem perto do morro do Frei Leandro, com a estátua dele bem em cima. Leandro foi o primeiro diretor do Jardim Botânico. Dizem que o d. Pedro 2º fazia os piqueniques dele lá. Tem até uma mesinha ali em cima. CHAFARIZ Uma coisa muito bela é a réplica do chafariz construído em 1785 e derrubado para a ampliação do quartel da Polícia Militar, que está aqui no Jardim Botânico. O Glauco Campelo, autor da obra, chamou o chafariz de uma evocação, porque as proporções são bem menores do que as originais. Por isso ele chamou de uma evocação. Aqui você pode ver Eco olhando para Narciso e Narciso olhando a própria imagem nas águas. Isso no chafariz original era muito mais óbvio do que o que está aqui. A lembrança das estátuas passaram a fazer parte de mim a partir dos anos 50. Eu era muito amigo do então diretor do Jardim Botânico, Joaquim Campos Porto, grande admirador do Barbosa Rodrigues. Foi ele quem me meteu na cabeça essa história toda de Eco e Narciso. O Barbosa Rodrigues foi diretor do Jardim de 1800 e alguma coisa há 1910, algo assim. Exatamente quando estava sendo feita a avenida Rio Branco. E ele salvou essas estátuas. O Barbosa Rodrigues foi o principal responsável pelo Jardim ser essa beleza que ele é. MACHADO DE ASSIS A única coisa que sobrou do chafariz inteiro foram as estátuas. Machado de Assis não escreveu nada a respeito da demolição, Lima Barreto não escreveu nada. Uns vagabundos né? Eu fico pensando que se algo semelhante acontecesse no Rio, em São Paulo, em Belo Horizonte ou Sorocaba, pelo menos você documentava. Meu Deus do céu! E não há nenhuma referência na imprensa da derrubada de um chafariz do tamanho de um bonde. E nem referência a Mestre Valentim, que esculpiu as estátuas, em qualquer crônica de Machado de Assis. O Machado tinha aquelas coisas dele. Mas o chafariz era uma das coisas mais lindas que o Rio de Janeiro tinha naquele tempo. Texto Anterior: Antonio Callado fala de beleza e saudade Próximo Texto: Baile funk é mergulho na cultura do morro Índice |
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