São Paulo, sexta-feira, 22 de dezembro de 1995
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Projeto de impasse

JANIO DE FREITAS

A defesa do contrato com a Raytheon foi levada por Fernando Henrique Cardoso a tal extremo, e com tal comprometimento pessoal, que está criada uma situação inusitada e para a qual ninguém, até agora, vê uma saída assimilável pelo lado perdedor no confronto entre o presidente e o Senado.
Os senadores mais experientes têm todos a mesma opinião: em vista do que já foi constatado pela comissão especial de senadores que examina os procedimentos adotados para a montagem do Sivam, o Senado não o aprovará. A respeito das mesmas constatações, Fernando Henrique diz o oposto: "Até agora não vi nada, nada, que fizesse o governo mudar de opinião sobre o contrato com a Raytheon", e, se não lhe parecer que haja irregularidades, "não há motivo para cancelar o contrato".
Está criada a possibilidade, assim, de que o Senado derrube o Sivam, negando autorização para o empréstimo externo que integra o contrato com a Raytheon, e Fernando Henrique mantenha a contratação da empresa americana, em razão dos seus compromissos internacionais, mesmo sem aplicar o projeto por falta de dinheiro externo e de verba orçamentária interna. Quem e como se decidiria esta queda-de-braço, é questão aberta a todos os palpites.
Por coincidência ou não, os argumentos de defesa usados, de uma parte, pelo secretário de Comércio dos EUA, pelo embaixador americano Melvin Levitsky, pela Raytheon e, de outra parte, pelo presidente brasileiro, são os mesmos: "Não há evidências de que a Raytheon tenha cometido qualquer irregularidade", sendo as irregularidades "coisa do passado e feitas pela Esca" (estas últimas palavras são só de Fernando Henrique).
O argumento ignora, e não há de ser por desconhecimento, que a invalidação do projeto não depende de que a irregularidade seja da Raytheon. Basta que tenha sido cometida por qualquer das partes em qualquer etapa dos processos técnico e comercial. E está mais do que demonstrada a responsabilidade da Esca na escolha da Raytheon, antes de excluída do projeto por idoneidade comprovada e, depois disso, pela ação de técnicos simultaneamente ligados à Esca e à Raytheon. Mesmo admitindo-se que a empresa americana não tenha responsabilidade neste e em outros fatos, o processo que levou a escolhê-la foi, para dizer o menos, comprometido por vícios irreparáveis.
Mesmo que se considere excessiva a atitude do embaixador americano, ao buscar um jornal para cutucar o Senado brasileiro e insinuar ameaça às relações do seu país com o Brasil, a intervenção de autoridades americanas no episódio resulta positiva para os senadores contrários à atual configuração do Sivam. Se a Casa Branca, o Departamento de Estado, a Secretaria do Comércio e certamente a CIA se movimentam, acima de fronteiras e soberanias, para defender os ganhos previstos por uma empresa privada, muito mais razões justificam a defesa que senadores façam dos cofres públicos e da legislação brasileiros.

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