São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 1995
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Banco Central sabia da crise do Econômico

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Banco Central foi negligente na administração da crise que levou à falência do Banco Econômico e produziu um prejuízo superior a R$ 3 bilhões aos cofres públicos. As evidências da ação danosa estão expostas em documentos guardados nos arquivos do próprio BC.
São relatórios secretos da instituição, a cujos conteúdos a Folha teve acesso na última quinta-feira. Um dos documentos, elaborado em 1989 pela equipe de fiscalização do BC, alertava para as dificuldades financeiras do Econômico seis anos antes da intervenção no banco, consumada somente no último dia 11 de agosto.
O documento apontava, já naquela ocasião, indícios de maquiagem nos registros contábeis do Econômico. Informava que, embora o balanço do banco estivesse no "azul", os lucros nele registrados poderiam ser fictícios.
Havia na carteira de empréstimos do Econômico créditos que a fiscalização do BC considerou "micados" (de difícil liquidação). O relatório afirmava que uma análise mais detida do balanço poderia conduzir à conclusão de que o patrimônio líquido do Econômico era negativo.
Em outras palavras: se o Econômico vendesse tudo o que possuía, ainda ficaria devendo.
No processo de maquiagem, empréstimos podres eram apresentados como créditos bons. Em outro relatório sigiloso, redigido em 1990, a fiscalização do BC voltou à carga contra. Desta vez, recomendou à diretoria do BC que tratasse o banco com pulso firme.
Os fiscais do BC chegaram mesmo a sugerir a abertura de processo administrativo contra o Econômico. Seria uma forma de aprofundar a análise da situação.
Alheio ao diagnóstico dos fiscais do BC, Angelo Calmon de Sá, dono do Econômico, irrigava a campanha eleitoral de 1990 com generosas contribuições financeiras. Doou a políticos um total de US$ 2,5 milhões, conforme os registros da hoje famosa pasta cor-de-rosa.
Embora o relatório do BC reforçasse as suspeitas de que o Econômico se encaminhava mesmo para o buraco, o documento foi engavetado por dois anos.
Em 92, ao reanalisar o documento, a direção do BC decidiu não seguir o conselho dos fiscais. A idéia de abrir um processo foi ignorada. Retomaram-se apenas as inspeções de rotina.
No segundo semestre de 93, insistente, a equipe de fiscalização do BC fez novo relatório mencionando os créditos "micados".
O documento cita uma cifra impressionante: as entranhas financeiras do Econômico estavam sendo carcomidas por um respeitável rombo patrimonial. Em 30 de junho de 1993, o buraco, expresso em cruzeiros, era de Cr$ 3 bilhões (US$ 55,2 mil na época).
Diante do evidente agravamento do quadro, o BC abriu negociações com Calmon de Sá. A direção do BC preferiu negociar a intervir no banco baiano, a mais antiga instituição privada do país, com 161 anos de existência.
Elaborou-se então uma estratégia de longo prazo. Para salvar seu banco da insolvência, Calmon de Sá teria de injetar no Econômico, durante uma década, R$ 25 milhões por ano.
O banqueiro honrou a palavra em 1994: despejou na contabilidade do Econômico os primeiros R$ 25 milhões. Em 1995, pôs novos R$ 25 milhões. Não foi suficiente.
Argumenta-se hoje no BC que a estratégia fracassou porque o Plano Real levou sufoco ao sistema bancário. A nova moeda retirou das instituições financeiras o lucro fácil da inflação.
A diminuição do chamado lucro inflacionário fez com que a maquiagem dos balanços de empresas como o Econômico começasse a desbotar. Tornava-se cada vez mais difícil esconder a feiúra da escrituração contábil.
Havia na carteira de empréstimos do Econômico "papagaios" que iam sendo rolados. Para evitar manchas vermelhas na contabilidade, o banco chegava mesmo a rolar empréstimos sem que seus clientes solicitassem.
Em condições normais, o Econômico deveria ter lançado o calote de seus clientes como prejuízo. Mas se o fizesse transportaria para seus balanços uma realidade que desejava ocultar.
Acumularam-se casos como o da Construtora Concic, uma das maiores devedoras do banco. A empreiteira possuía, de acordo com os registros, faturamento anual de R$ 150 milhões. Mas devia cerca de R$ 200 milhões.

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