São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

EUA gastam US$ 67 bi por ano para tentar combater o tráfico

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Os Estados Unidos gastam por ano U$ 67 bilhões para reprimir, prevenir e curar os efeitos das drogas, segundo cálculos do Ministério da Justiça.
Com esse dinheiro, o Brasil liquidaria mais da metade de sua dívida externa ou daria um salário mínimo para 5,5 milhões de habitantes por mês.
Esses gigantescos números refletem a decisão do país de lançar, no início da década de 80, a chamada "guerra contra as drogas".
Uma guerra sustentada pela maioria da opinião pública que, em 1990, colocou as drogas como o mais importante problema nacional, superando temas como desemprego, inflação ou educação.
Para chegar nos US$ 67 bilhões, engajaram-se não apenas o governo federal, mas as administrações estaduais, municipais, além da iniciativa privada.
Segundo defensores de direitos humanos, passou-se por cima das liberdades civis. O Exército americano resolveu queimar plantações na América do Sul e pressionar países como a Colômbia.
Por ano, de acordo com o FBI, a polícia federal, são detidos 1,1 milhão de pessoas por abuso de drogas no país. Graças à ofensiva, a população carcerária atingiu este ano 1,6 milhão de pessoas -300 mil devido às drogas-, um gasto mensal de US$ 600 milhões.
Junto com a repressão, cresceu a violência entre gangues. Mata-se um menor de 18 anos a cada três horas. As brigas de gangues são um dos motivos que levam 2.800 jovens à prisão a cada ano por assassinato, cerca de oito por dia.
Os números dão a dimensão do impacto da entrevista coletiva da ministra da Saúde, Donna Shalala, para anunciar os resultados do último levantamento sobre o consumo de drogas entre jovens.
Ela alarmou ainda mais os pais e reforçou uma generalizada sensação de fracasso nos EUA. "Seus filhos correm risco. Temos uma inteira geração correndo risco."
Em ampla investigação nacional, a Universidade de Michigan constatou que, apesar de todos os esforços, aumenta o consumo de cocaína, heroína, LSD e maconha.
A pesquisa é realizada há 21 anos consecutivos. Nessa última rodada, atingiu 50 mil estudantes espalhados em 400 escolas públicas e privadas. É a mais importante sondagem no país.
Segundo o estudo, 48% dos alunos acima de 14 anos usaram pelo menos uma vez algum tipo de droga ilícita. Praticamente o dobro do registrado em quatro anos.
Estimulada pela sensibilidade nacional, a pesquisa entrou na sucessão presidencial. Shalala responsabilizou os republicanos por cortarem verbas no orçamento e dificultarem o enfrentamento contra as drogas. "Estão fazendo política com a saúde das crianças."
O senador republicano Orrin Hatch responsabilizou o governo e comparou Clinton a Nero. "Enquanto as drogas incendeiam o país, Clinton toca harpa."
As pesquisas reforçam no governo uma discreta tendência: descriminar a droga e dar ênfase à prevenção. Uma proposta que, até agora, decapitou quem ousou defendê-la e desgastou o governo. Nos EUA, legalizar a droga é encarado pelo eleitor como uma defesa indireta dos traficantes, indigna de ser aceita pelo governo.
A discussão prospera no meio intelectual. Isso, em parte, pela força de um conservador como Milton Friedman, prêmio Nobel de Economia, defensor da legalização. Para ele, a legalização baixaria o preço, reduziria o crime e melhoraria a qualidade do produto.
"O governo não tem o direito de interferir no que eu consumo", diz Friedman, coerente com sua visão liberal.

Texto Anterior: Lavagem de dinheiro preocupa governo
Próximo Texto: Farmácia vendia coca e maconha até 1938
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.