São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 1995
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Neocomunistas diluem ideário do PC

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

O Partido Comunista da Rússia, vencedor das eleições parlamentares do domingo passado, diluiu a cartilha ideológica de seu antecessor, o Partido Comunista da União Soviética, para enfrentar o cenário pós-Guerra Fria.
Faz concessões ao velho inimigo capitalismo, ao aceitar propriedade privada e investimento estrangeiro, além de admitir pluripartidarismo e vociferar um nacionalismo raivoso.
Os neocomunistas criam um coquetel ideológico que não se enquadra nos modelos da Guerra Fria e irritam, por exemplo, pequenos grupos neostalinistas que sobreviveram ao fim do império soviético.
Para eles, o atual PC trai a "causa proletária" ao admitir, por exemplo, propriedade privada da terra. O desaparecido PCUS criou um sistema de fazendas coletivas que, ineficiente, fez despencar a produção agrícola.
O antes todo-poderoso PCUS, esqueleto político e ideológico de uma das duas superpotências militares deste século, passou pela ortodoxia dos tempos de Josef Stálin, que reinou no período de 1924 a 1953, e pela "estagnação" da era de Leonid Brejnev, que durou de 1964 a 1982.
Os dois períodos foram marcados pela onipresença do Estado na economia, eliminando resquícios de iniciativa privada, pela repressão política sustentada no regime de partido único e pela tese da "coexistência pacífica" com os Estados Unidos misturada com a retórica do "internacionalismo proletário". Ou seja, apoio a movimentos de inspiração soviética em outros países.
Falência
Depois do entusiasmo dos anos 50, embalada pela vitória na Segunda Guerra Mundial e por conquistas no campo espacial, a URSS entrou na década de 60 no caminho sem volta da falência.
A economia sofria com a estrutura engessada e ineficiente da planificação, enquanto a corrida armamentista com os EUA sugava recursos valiosos.
Em 1985, Mikhail Gorbatchov se tornou secretário-geral do PCUS e lançou a idéia da "glasnost" (transparência, em russo).
Ciente do desastre que se aproximava com a derrocada do sistema soviético, Gorbatchov decidiu deslanchar um processo de reformas que começava pelo plano político e diplomático.
Sua idéia era, no plano interno, aliviar o controle ideológico e oxigenar as enferrujadas estruturas do PCUS, controladas por uma casta de burocratas ("nomenklatura", em russo) resistente a abrir mão de seus privilégios.
No plano externo, ele queria enterrar a Guerra Fria para economizar recursos gastos com a produção de armas.
Apenas no final dos anos 80 Gorbatchov começou a admitir mudanças na economia, conhecidas como "perestroika" (reestruturação, em russo). O carrasco da Guerra Fria mudava o perfil do PCUS e tentava romper com a herança histórica do stalinismo.
Em 1990, o PCUS abriu mão do seu monopólio do poder, antes garantido pela Constituição. Gorbatchov patrocinava uma revisão ideológica que buscava garantir a sobrevivência do partido, então pressionado pela falência do sistema soviético e pelo surgimento de focos de contestação, como o líder russo Boris Ieltsin.
Desintegração
Gorbatchov, no começo de 1991, apresentou um programa que transformava o PCUS num partido social-democrata, espelhado sobretudo na experiência sueca.
O então presidente soviético defendia sistema pluripartidário e economia de mercado com um robusto sistema de proteção social.
A idéia de desbotar as cores vermelhas do PCUS para adotar tons róseos provocou uma revolta interna no partido. Gorbatchov traia a "causa proletária", disparavam os chamados "conservadores", entre eles Gennadi Ziuganov, o líder do atual Partido Comunista da Rússia.
Em 1991, antes de se votar a adoção do programa gorbatchevista, a União Soviética se desintegrou, assim como seu PC.
Os herdeiros da tradição bolchevique ficaram órfãos, mas no ano seguinte os comunistas conseguiram autorização da Justiça russa para a reorganização partidária.
Gennadi Ziuganov, um ex-funcionário do Departamento de Ideologia e Propaganda do PCUS, começou a adequar a cartilha do partido aos ventos da Rússia pós-soviética e do mundo pós-Guerra Fria.
Investimento
No plano político, o PC russo rejeita a repressão stalinista e admite o pluripartidarismo. Não existe mais espaço para a "ditadura do proletariado", como teorizava Vladimir Lênin, o líder da Revolução Russa de 1917.
Mas o PC não deixa claro qual tipo de organização política prega. Fala em pluripartidarismo, mas defende o "poder dos trabalhadores" e rejeita a "cópia de modelos ocidentais". "Somos uma civilização com características próprias", afirma Ziuganov.
O coquetel ideológico do PC segue na economia. O arraigado nacionalismo não impede a defesa do modelo chinês de desenvolvimento econômico, baseado principalmente na absorção de investimentos estrangeiros.
"Se os capitalistas investem na China, por que não vão investir na Rússia?, pergunta Ziuganov. O líder russo se esquece de um detalhe: enquanto ele assume uma retórica nacionalista, que assusta os investidores, os dirigentes comunistas chineses promovem a "diplomacia da porta aberta, ou seja, de reaproximação com antigos inimigos ideológicos.

O jornalista JAIME SPITZCOVSKY foi correspondente em Moscou entre 1991 e 1994.

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