São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 1995
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Por si "só" ou "sós"?

JOSUÉ MACHADO

"Os olhos dela, por si sós, despertam minha paixão." O professor José Augusto Carvalho, de Vitória (ES), não concorda com o plural "sós" na expressão "por si só", que considera invariável, e escreve:
"Na frase 'Os olhos dela, por si só, despertam minha paixão', pode ser assim parafraseada: 'Os olhos dela, por si somente, despertam minha paixão'. E há pelo menos duas razões que a seguir avento, para sustentar minha opinião:
1. 'Por si só' equivale a 'só por si', em que a flexão de 'só' seria impensável: 'Os olhos dela, só (=somente) por si, despertam minha paixão'.
2. Os únicos determinantes de 'si' são 'mesmo' e 'próprio', que as gramáticas, erroneamente, insistem em chamar 'demonstrativos', quando, na verdade, são apenas partículas de reforço, como o 'ipse' latino, de que 'mesmo' se originou, e que se flexionava normalmente como um demonstrativo sem o ser: 'ego ipse', 'tu ipse'."
Diz mais o professor: "(...) só nunca poderia ser um determinantes de 'si', isto é, 'só' não é adjetivo, na expressão 'por si só', simplesmente porque 'si' não admite adjetivação".
A análise de Carvalho -autor de "Discurso & Narração (Ensaios de Língua e de Literatura)", da Editora Fundação Ceciliano Abel de Almeida, e de "O Braço e o Cutelo" (contos), da Nemar Editora- contraria a de autores como Napoleão Mendes de Almeida, Adriano da Gama Cury e Luiz Antonio Sacconi. Eles consideram, sim, que "só" tem valor adjetivo quando reforça o sentido de "si" nessa expressão e portanto é flexionável quando referentes, ambos, "si" e "só", a palavra plural.
Carvalho fez uma releitura da expressão "por si só". Pode-se fazer outra:
"Os olhos dela, por si sozinhos, por si isolados, por si mesmos, por si próprios, despertam minha douta paixão."
Todas essas palavras ligadas a "si", percebe-se, têm valor adjetivo; reforçam o "si", correspondente a 'eles', 'os olhos' fatais. Portanto, plural nelas. Se o objeto da paixão for um só, o "só" permanece singularmente "só":
"O nariz dela, por si só, desperta minha paixão."
Estes são exemplos de Almeida, Gama Cury e Sacconi:
"Há verbos que por si sós se bastam para expressar a idéia."
"... qualidades didáticas que por si sós o recomendam à cátedra."
"Há preceitos constitucionais que se executam por si sós."
"Essas decisões, por si sós, repercutem intensamente."
"As declarações do réu, por si sós, já bastam para condená-lo."
Consideradas as obras completas de Executivo, Legislativo e Judiciário, conclui-se que essa questão, por si só, não nos tornará mais felizes. Mas, pelo menos, ela parece bem definida por Silveira Bueno, já no Céu. Escreveu ele em sua "Gramática Normativa":
"'Só' - pode ser advérbio e também adjetivo: no primeiro caso (advérbio), corresponde a 'somente', 'unicamente', modificando verbo, adjetivo e outro advérbio: no segundo caso (adjetivo), embora ainda possa corresponder a 'somente', 'unicamente', modifica substantivo. No primeiro caso (advérbio), permanece invariável em número; no segundo (adjetivo), toma o número da palavra a que se refere."
Sejamos repetitivos: quando adjetivo, ainda que possa corresponder a 'somente', 'unicamente', o glorioso 'só' ganha merecido "s" para afinar-se com o "si" correspondente aos plurais olhos de pecado e ressaca.
"Os olhos dela, por si SÓS, me levam à loucura."

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

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