São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 1995
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Mitos sobre o desalinhamento da taxa de câmbio

MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JÚNIOR

Desde o início do Plano Real tornou-se comum, entre vários analistas econômicos, falar da apreciação real da taxa de câmbio e do seu possível efeito sobre a deterioração do saldo da balança comercial.
Chegou-se mesmo a destacar que a apreciação da taxa de câmbio no período pós-real tornava-se ainda maior, em virtude do processo de abertura comercial. Isso implicaria na necessidade de uma desvalorização cambial que compensasse três efeitos: a queda nominal da cotação do dólar após a introdução do real, o diferencial de inflação doméstico e externo dos principais parceiros comerciais do Brasil e a intensificação da abertura comercial, que havia aumentado a participação dos produtos importados no consumo doméstico.
Há que se esclarecer a mudança da política adotada pelo governo desde o início do Plano Real. Esta política reconheceu a diferença básica entre taxa de câmbio de equilíbrio de curto e longo prazos. Ou seja, a taxa de câmbio no curto prazo é determinada sobretudo pelo fluxo diário do mercado cambial, que responde, principalmente, às oportunidades de investimento no mercado financeiro do Brasil em relação ao mercado internacional.
Dessa forma, flutuações das taxas de juros e/ou modificações esperadas na própria taxa de câmbio alteram o rendimento das aplicações em moeda doméstica, ocasionando um aumento da entrada ou saída de capital e alterando, portanto, a taxa de câmbio, determinada diariamente no segmento livre do mercado: a taxa de câmbio de curto prazo.
Por sua vez, a taxa de câmbio de equilíbrio de longo prazo depende dos chamados "fundamentos da economia, destacando-se os ganhos ou perdas relativas de produtividade. Desvios da taxa de câmbio do seu valor de equilíbrio de longo prazo são comuns, pois a taxa de câmbio se comporta como o preço de um ativo, apresentando, portanto, alta volatilidade.
O problema dos movimentos da taxa de câmbio de curto prazo decorre de quando ela se afasta sistematicamente do seu valor de equilíbrio de longo prazo, levando a uma situação de desalinhamento da taxa de câmbio com seus conhecidos efeitos: perda de eficiência econômica, má alocação de recursos, crescente deterioração do saldo em conta corrente e, por fim, fuga de capital e crise cambial.
Falar de desalinhamento da taxa de câmbio, na atual conjuntura, não se justifica por vários motivos. Primeiro, há que se considerar a trajetória futura da conta corrente na determinação da taxa de câmbio de equilíbrio. Quanto a isto, é notório o esforço do governo para intensificar o processo de redução do chamado "custo Brasil", o que torna o setor exportador mais competitivo e sinaliza para uma melhora do saldo em conta corrente e para uma taxa de câmbio de equilíbrio de longo prazo menor.
Segundo, a ampliação do processo de abertura comercial, além de permitir a importação de máquinas e equipamentos de tecnologia avançada, intensificou o processo de concorrência, levando as indústrias domésticas a buscar formas de produção mais competitivas. Isto ocasionou ganhos consideráveis de produtividade da indústria exportadora doméstica em relação a seus concorrentes internacionais. Este fator também ocasiona diminuição da taxa de câmbio de equilíbrio de longo prazo, pois permite que a competitividade do setor exportador seja mantida a uma taxa de câmbio menor.
Terceiro, a operacionalização da política cambial, por meio do sistema de bandas, permite que as intervenções do Banco Central evitem a volatilidade excessiva da taxa de câmbio corrente e desvios sistemáticos do seu valor de equilíbrio de longo prazo (leia-se desalinhamento cambial).
Poderia se argumentar que os fatores aqui listados só teriam efeito a médio e longo prazos, prejudicando, nesse meio tempo, os resultados da balança comercial e das exportações. Contudo, há que se destacar que a economia brasileira já vem apresentando, desde 1991, ganhos expressivos de produtividade. Medidas de desoneração dos impostos incidentes sobre produtos exportados já foram adotadas desde março deste ano (medida provisória nº 948, de 23 de março de 95).
Um eventual déficit em conta corrente, por um curto espaço de tempo, é algo que pode ser plenamente financiável na economia brasileira, principalmente à medida que se intensificar o processo de privatização e aumentar a entrada de investimento direto para produção, tendência já observada neste ano, cujos processos, até setembro, já superaram em mais de 430% os ingressos verificados em 94.
Assim, a paridade cambial de antes do Plano Real deve ser esquecida. Falar em alinhamento da taxa de câmbio é dar um peso, não justificável, a fatores de curto prazo e não acreditar na continuidade do processo de reformas estruturais da economia brasileira nos próximos anos.

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