São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 1995
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Real faz despencar margens das empresas

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A história do Plano Real vista por meio dos balanços das empresas pode ser resumida em uma queda contínua, acabada a fase da URV (Unidade Real de Valor), nas margens brutas.
Margem, nesse caso, é o preço de venda do produto descontados apenas os custo de produção, como matéria-prima e mão-de-obra.
O gráfico, preparado com base nos números apurados pelo Banco de Boston, mostra o comportamento das margens nos balanços trimestrais de 190 empresas com ações na Bolsa de Valores.
Na média, a margem atual é quase três pontos percentuais menor do que as praticadas até 1994 e aproximadamente cinco pontos mais baixa do que as que prevaleceram no último mês em que vigorou a URV.
Essa história do estreitamento das margens tem duas maneiras de ser contada. Uma é a do governo.
Com o câmbio parado e a economia aberta, aumenta a concorrência. As empresas locais são obrigadas, para competir, a reduzir suas margens e, para manter a lucratividade, buscam se modernizar e cortar custos.
Esse processo de ajuste, que não é indolor, mas que é inevitável, mantém a inflação sob controle -com risco de cair ainda mais.
"Do ponto de vista do Plano, as coisas estão bem", diz Sérgio Santa Maria, diretor de research do Banco de Boston.
Mas outra forma de contar a mesma história é mais ouvida em alguns setores da economia.
"Se os custos locais, como o de mão-de-obra ou impostos, sobem mais do que a taxa de câmbio, as empresas têm muito pouca coisa para fazer", afirma Santamaria, para depois completar: "Podem existir redução da lucratividade e problemas na gestão de caixa."
Assim, como o chamado "custo Brasil" não baixa, o ajuste vira uma arapuca: as empresas apenas enxergam seus negócios diminuindo, sem meios para reagir.
Até porque esse processo de ajuste não se dá com um mercado em expansão. Não está acontecendo a troca de uma margem de 10% na venda de dez unidades de um produto para uma margem de 5%, mas na venda de 30 unidades. "O cenário não é esse."
O cenário é de um mercado mais difícil, de uma economia que deve, em 1996, se contentar com um crescimento de 3% do PIB (Produto Interno Bruto, uma medida da riqueza nacional) e que enfrenta dois novos fenômenos simultâneos: o estreitamento das margens e a entrada de novos jogadores em campo, que Santamaria chama de "efeito Wal-Mart".
Mas, para Fernando Montero, da consultoria MB Associados, "há dois anos não existiria espaço para uma Wal-Mart".
Ele explica: "Hoje, com os preços relativos ajustados, o consumidor está informado. Sabe o que é um preço alto ou baixo e, por estar informado, o consumidor reage imediatamente. A Wal-Mart só faz a sua festa por isso."
Montero chama a atenção para o fato de que, como em economias civilizadas, as empresas responderam à queda da demanda com o estreitamento das margens.
"Antes, com a inflação maluca, a bagunça dos preços relativos, as empresas, e não só aos oligopólios (poucas empresas controlam um mercado), reagiam à queda das vendas com um aumento de margem, na tentativa de preservar o faturamento."
Hoje, completa Montero, como o consumidor está mais informado sobre os preços, quem adotar essa estratégia perde mercado.
Santamaria afirma que o cenário do próximo ano pode ser ainda mais apertado para as empresas, especialmente as exportadoras. "Hoje, a taxa de câmbio está defasada, mas os juros são muito altos, o que permite recuperar um pouco do que se perdeu no câmbio. Se os juros caírem (o que se espera para 1996), as empresas vão perder nos dois lados."
Para o investidor em Bolsa, enquanto o cenário de ajuste das empresas não fica mais claro, a melhor opção é, segundo Santamaria, "buscar o refúgio em ações de empresas que atuam no setor de serviços, que não é afetado pela concorrência dos importados".

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