São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 1995
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Um mercado pouco comum

HELCIO EMERICH

Num giro recente por alguns países da Europa, procurei entender melhor o que os meios de comunicação de lá estão chamando de "transição para o mercado unificado", que é como caminha o processo de formação do Mercado Comum Europeu. Pensei que isso poderia ser útil para avaliar -do ponto de vista de marketing- as perspectivas que se abrem para agências de propaganda e anunciantes com a criação por aqui do Mercosul.
Acho que descobri o óbvio. Os objetivos do plano assinado pelos 15 países membros da União Européia não estão sendo alcançados de forma tão programada e tranquila como os seus idealizadores imaginavam. Depois de mais de 300 medidas destinadas a abolir as fronteiras para o livre trânsito de mercadorias, serviços, capital e trabalho, a anunciada "smooth transition" continua esbarrando em barricadas burocráticas e trincheiras de protecionismo que parecem hoje mais fortificadas do que há dez anos.
Todo mundo sonha com o "federalismo europeu", mas quando a economia de qualquer um dos países da "comunidade entra em crise, a iniciativa privada se agarra ao Estado (ou vice-versa) para defender seus interesses e privilégios. Foi assim com a idéia da moeda comum, talvez o passo mais importante para a integração econômica da UE, torpedeada durante muito tempo pela Inglaterra, que não abria mão da sua condição de centro financeiro do Velho Mundo. São conhecidos episódios como o dos fazendeiros franceses que, sob as vistas complacentes das suas autoridades, destruíram caminhões que transportavam uvas importadas da Itália. Incidentes desse tipo, envolvendo categorias como a dos pescadores, dos produtores de queijo, dos transportadores de carga e outras, estão se tornando frequentes nas fronteiras internas do continente.
Além das escaramuças comerciais, fortalecem-se as barreiras sociais e raciais. O nacionalismo vem sendo exacerbado pelo crescente fluxo de imigrantes atraídos pela prosperidade das nações mais ricas da Europa. Eles vêm principalmente dos países economicamente desestabilizados da África Setentrional, do leste europeu e do Oriente Médio. E provocam reações de xenofobia grosseira, como a dos "skinheads" da Alemanha ou de movimentos similares na Espanha e na França.
As diferenças políticas, ideológicas ou religiosas não raramente se confundem no mesmo cadinho de intolerância e violência, como foi o caso dos atentados de terroristas argelinos ao metrô de Paris (um dos quais, por questão de horas, não tive o desprazer de assistir ao vivo e a cores).
Diante desse quadro de exorbitância dos "interesses macionais", como fica a idéia da propaganda e do marketing unificados? Embora de outra ordem, as complicações também são enormes. Em alguns países, por exemplo, já está inteiramente banida a propaganda de cigarros e de bebidas alcoólicas. A Grécia não permite qualquer campanha de brinquedos. Na Holanda só se pode anunciar chocolates para crianças na TV depois das 20:00 horas e, mesmo assim, o comercial deve incluir uma escova dental para lembrar que açúcar faz mal aos dentes. Na Alemanha, Bélgica e Itália, é proibida a publicidade comparativa, enquanto em outros países ela é encorajada. Na Inglaterra, por pressão dos grupos que lutam pela segurança nas estradas, os fabricantes de automóveis são obrigados a evitar apelos que enfatizem velocidade e potência (um anúncio da Toyota que apelidava o modelo Supra de "Aerodinamite" não foi aceito pelos jornais). Por essas e outras, é que o "marketing pan-europeu" não vai sair tão cedo do papel.

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