São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pesquisadora vê democracia religiosa

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Mais do que o risco de uma "guerra santa", o crescimento da Igreja Universal do Reino de Deus e seu recente enfrentamento com a Igreja Católica estão forçando uma democratização inédita do campo religioso no Brasil.
Além disso, apesar de a Universal ser vista como um movimento contramodernizador, nostálgico, de natureza fundamentalista, que apela para a emoção e faz uso do fanatismo, as consequências de sua existência no Brasil são modernizantes.
A avaliação é da socióloga Maria das Dores Campos Machado, 39, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Sua tese de doutorado foi premiada como o melhor trabalho do ano pela Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).
Intitulada "Adesão Religiosa e seus Efeitos na Esfera Privada", a tese ouviu 120 pessoas que pertencem a igrejas pentecostais ou ao Movimento de Renovação Carismática Cristã para saber como a opção religiosa repercute na vida pessoal, familiar e afetiva.
O resultado, diz ela, foi surpreendente: "Eu fiquei preocupada, porque os meus dados eram muito novos, muito originais".
Primeira surpresa: "Todos os meus colegas falavam que a Universal é fundamentalista. Os membros da Universal são os que têm menos filhos -dois em média- e os que usam os métodos contraceptivos mais modernos. Os homens fazem vasectomia, usam camisinha. As mulheres fazem ligação nas trompas orientadas pelos pastores, às vezes com dinheiro obtido por meio de uma 'vaquinha' entre os fiéis. Ou seja, eles não são fundamentalistas", diz.
Segunda surpresa: "A idéia de que a Universal está tirando dinheiro de quem não tem é nossa, não dos fiéis. O pentecostal não fala que está sendo explorado. Ele fala que foi desafiado por Deus a arrumar dinheiro para ajudar na obra de Jesus. Nesse desafio ele acaba trazendo benefícios materiais para si próprio. Principalmente entre as mulheres, a Universal oferece motivação para que elas se lancem no mercado de trabalho".
A entrevista à Folha foi concedida antes de vir a público a fita em que Edir Macedo dá instrução aos pastores sobre como obter doações dos fiéis.
"Quando o pastor pede dinheiro, as pessoas, em geral, não têm, mas assumem o desafio de que, na próxima semana, terão. Nesse intervalo, a pessoa vai arrumar esse dinheiro. Faz bolo, cocada. A mulher vai descobrindo habilidades pessoais", diz.
O resultado, segundo a socióloga, é que "as pessoas convertidas, sobretudo mulheres, estão redefinindo sua vida privada e descobrindo que podem fazer parte de alguma esfera pública".
Maria das Dores reconhece que suas conclusões são "duras de engolir" no meio intelectual: "As pessoas ainda têm toda espécie de restrição ideológica", avalia.
Ela mesma diz temer ser "usada" pela Universal. Afirma que já recusou o convite para participar do programa "25ª Hora", na Rede Record.
Segundo Maria das Dores, a academia precisa rever sua posição "preconceituosa" em relação à Universal. "Não podemos qualificar esse grupo como a pior coisa da atualidade no Brasil. Esses fiéis são pessoas interessantes, que têm sua própria ética."
A socióloga identifica a dificuldade de se aceitar a forma desabrida com que a Universal fala do dinheiro. "Será que o fato de eles falarem que o pobre vai melhorar, vai poder comprar seu ventilador, será que isso é tão ruim para o pobre?", pergunta.
"Será que essas pessoas não são muito mais sensatas em selecionar esse elementos do que nós, que estamos de fora, julgando-as fanáticas e ignorantes? É alienante querer comprar uma geladeira? Se a fiel precisa fazer desafio a Deus para obter seu eletrodoméstico, qual o problema?"
Em vez de repetir o coro corrente sobre a "falta de ética" da Universal, Maria das Dores prefere falar no surgimento de uma "nova ética" na religião.
"Acho que as pessoas estão reproduzindo a mesma acusação que se fazia a Maquiavel, quando escreveu 'O Príncipe'. Ele estava mostrando como funcionava o poder dos reis, não inaugurando uma era imoral. Estava se separando da moral cristã. No mesmo sentido, a Universal está criando uma nova ética, que, para nós, é meio estranha, nos incomoda, é dura de engolir", conclui.

Texto Anterior: Que o Brasil julgue, diz d. Paulo
Próximo Texto: "Pastor parecia ignorante"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.