São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 1995
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Coronel não vê incentivos em carreira

CARLOS ALBERTO DE SOUZA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

Apesar da tendência à formação de uma casta militar, apontada na pesquisa feita por Ricardo Dalla Barba, as dificuldades financeiras por que passam os militares (leia reportagens nas páginas 1-11 e 1-12) têm assustado alguns filhos de oficiais, que preferem as chances da vida civil aos rigores da vida militar, "com muito ônus e pouco bônus", segundo Dalla Barba.
O comandante do Colégio Militar de Porto Alegre, coronel José Eurico de Andrade Neves Pinto, 48, por exemplo, descende de uma família de militares, mas vê como provável que seus filhos rompam essa tradição.
Ele tem dois filhos -Túlio, 21, estudante de publicidade, e Vinicius, 17, aluno do 2º grau na escola dirigida pelo pai. Integrante de uma banda de rock, é pouco provável que Túlio troque a indisciplina sonora pelo rigor ritmado da caserna.
Vinicius ainda não decidiu se seguirá a carreira do pai, cujo tetravô foi o general José Joaquim de Andrade Neves, o barão do Triunfo, considerado herói da Guerra do Paraguai (1864-1870).
Andrade Neves, "nome de guerra" usado pelo comandante do colégio que dirige, tem antepassados militares tanto pelo lado materno, caso do tetravô, como pelo paterno.
Com realismo, o coronel avalia, no entanto, que há motivos hoje para que os jovens não sintam atração pela carreira oferecida pelas Forças Armadas.
Dinheiro e recursos
"Não existe incentivo econômico. Normalmente falta (dinheiro) no fim do mês. Ninguém fica rico no Exército", declarou Andrade Neves. Segundo ele, quem segue a carreira militar, atualmente, é movido por uma forte vocação.
Outro fator de desestímulo à vida na caserna é a "deficiência de recursos e de materiais" no Exército, Marinha e Aeronáutica.
Para o oficial, o país relegou a segurança a um plano secundário. "Mas não se admite um Brasil forte com Forças Armadas fracas", declarou.
Já no topo da carreira militar, Andrade Neves recebe líquidos R$ 2,3 mil mensais. "Estou no Exército há mais de 20 anos e sempre ouvi falar que a situação (dos militares) vai melhorar", disse. Para ele, porém, não é isso que acontece.
Perdas
Aludindo a perdas salariais da categoria nos últimos tempos, ele afirmou que, anos atrás, uma quantia quase equivalente ao seu soldo de coronel era paga a um capitão, dois postos abaixo na hierarquia.
A família de Andrade Neves reforça o orçamento com os rendimentos da mulher do oficial, Lúcia, professora em um curso de inglês. "Ela trabalha porque gosta e porque é preciso", disse o coronel, que mora num imóvel do Exército em Porto Alegre.
Ele possui um apartamento de um dormitório em um bairro de classe média baixa na capital gaúcha, cujo contrato lhe foi transferido por um irmão, e um apartamento em uma praia do litoral norte gaúcho, adquirido em 1988 e ainda não-quitado.
Andrade Neves só viajou uma vez a passeio para o exterior. Passou uma semana em Assunção, no Paraguai. "No futuro, quero ser sustentado pelos filhos", ironizou o coronel, que se preocupa em conseguir um novo trabalho depois que passar à reserva.
Entre os atrativos da carreira militar, para o coronel, estão a estabilidade e a certeza de muitas viagens.
Ele teve 18 transferências de local durante a carreira, o que lhe permite dizer, com uma ponta de orgulho, que conhece o "Brasil inteiro".
Andrade Neves comanda o Colégio Militar de Porto Alegre, um dos mais tradicionais do país, desde abril do ano passado.
Pelos bancos escolares do colégio passaram presidentes do período militar (64-85), entre outras personalidades da vida política brasileira.

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