São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995 |
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Ainda é melhor ser assentado do que bóia-fria
GEORGE ALONSO
"Minha vida está bem melhor. Deixei de ser bóia-fria graças a Deus." A frase é do ex-sem-terra José Joaquim de Souza, 57, dono de lote no assentamento de Água Sumida, 30 km ao norte de Teodoro Sampaio (SP). Esse sentimento é repetido, com outras palavras, por outros assentados ali. Souza, cearense radicado no Pontal do Paranapanema há 30 anos, está plantando milho ("cana dá mais dinheiro, mas estraga a terra"). Ele reclama da "terra ruim" e do governo, que fez enormes e estreitas curvas de nível (cortes na montanha para evitar erosão), que reduziram a área agricultável de seus 20 hectares. Um dos maiores problemas do assentamento é a falta de dinheiro para comprar adubo e calcário para melhorar a terra. "Adubar é caro, não sai por menos de R$ 1.000. E banco não quero nem ver por perto. Você fica mais do que endividado", diz Souza. Como os assentados trabalham individualmente e não formaram cooperativa, fica ainda mais difícil negociar preço na compra de adubo, sementes e mesmo na comercialização dos produtos. Ficam, então, esperando ajuda providencial do Estado -recursos especiais de reforma agrária, que, em geral, atrasam ou não saem. "Ajuda do governo aqui é lenha no mato e água no córrego. Aqui é Deus para si, e nós para nós mesmos", afirma Souza, ironizando o abandono do governo. A tentativa de montar uma cooperativa fracassou. "No trator, de 40 que dividiam, só 13 estão hoje. Todo mundo quer para tombar a terra, mas não na hora de consertar a máquina", revela Souza. O assentado Francisco Gonçalves, 53, sete filhos, resume o problema: "É mais fácil tratar de mil bois do que com cem homens". Gonçalves é um dos que desistiram de culturas tradicionais e está arrendando a terra para uma usina de açúcar. Ele só tira o capim. A usina busca financiamento, compra sementes, contrata bóias-frias e colhe. Tudo é descontado no final. "Pelo menos aqui no assentamento ninguém passa fome", diz Gonçalves. Como os demais, mora em casa própria de tijolo. Orgulha-se de ter comprado um Corcel 76. Parabólica Nadir Araújo da Silva, 45, sete filhos, viúva, também não reclama. Tem antena parabólica, e a família se dedica à pecuária de leite e à produção de capim. "Já plantei algodão, mas deu muito inseto." Manoel Pires, "acho 50 anos", pai de 11 filhos ("não fiz mais porque enforquei a profissão"), reconhece as dificuldades, mas não vai deixar a terra. "Dá para viver, mas não para sobreviver", diz ele, sobre sua vida sem luxo. O assentamento de Água Sumida tem escola e posto médico. Texto Anterior: Terra não serve à agricultura e produtividade no Pontal é baixa Próximo Texto: Desafio de FHC em 1996 é zerar déficit público para manter Real Índice |
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