São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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Reformas se arrastam e ampliam déficit

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

Marco Maciel já seria hoje o presidente da República, se se pudesse levar ao pé da letra os rompantes de Sérgio Motta, ministro das Comunicações e o mais íntimo amigo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Dias antes da eleição de 1994, em conversa com a Folha, Motta dizia que ou se aprovavam as reformas constitucionais nos primeiros seis meses de 1995 ou seria melhor que FHC renunciasse.
Era em tom de brincadeira, claro. Mas indicava nitidamente a urgência com que, já na véspera da vitória eleitoral, se encarava a reforma constitucional.
Pois passaram-se os seis primeiros meses, também os seis seguintes e o governo só conseguiu aprovar cinco emendas, todas elas referentes à ordem econômica, que não têm incidência direta sobre as contas públicas. E, mesmo assim, nenhuma das emendas aprovadas foi regulamentada até agora.
Consequência inevitável: 1995 termina com o governo diante do mesmo velho desafio com que se reinaugurou, dez anos antes, a democracia.
Lema de Tancredo
"É proibido gastar", dizia, então, o presidente eleito Tancredo Neves, em discurso já escrito, mas que a morte, em abril de 1985, o impediu de pronunciar.
Com outras ou as mesmas palavras, seus sucessores (José Sarney, Fernando Collor de Mello e Itamar Franco) repetiram a frase.
Até que o governo FHC traduziu o slogan de Tancredo em uma trilogia de reformas, a tributária, a administrativa e a previdenciária.
Não que elas impeçam o governo de gastar. Mas, reza a cartilha oficial, pelo menos farão com que gasto e receita se equilibrem, eliminando portanto o déficit público. Este, por sua vez, é o fantasma capaz de fazer ressuscitar a inflação, cuja contenção é justamente a grande obra de FHC (ou a única, diz a oposição).
O tamanho do fantasma ficou mais nítido no balanço de fim de ano feito pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan: o déficit nas contas públicas até outubro bateu em 4,36% do PIB (Produto Interno Bruto, soma das riquezas produzidas pelo país).
Para comparação: no ano anterior, houvera um superávit de 2,21% do PIB.
Com esse cenário, fica sombria a avaliação feita pelo ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, em seu artigo semanal para a Folha, no dia 22 passado: "Qualquer analista de economia sabe que um programa de estabilização sem o lado fiscal dificilmente tem vida longa".
O governo também sabe, tanto que recorreu ao mesmo artifício usado na introdução do Plano Real para evitar, ao menos provisoriamente, que o rombo escape de vez do controle.
Propôs a prorrogação do FSE (Fundo Social de Emergência), agora rebatizado para FEF (Fundo de Estabilização Fiscal).
Mesmo assim, 95 termina sem que também o FEF tenha sido aprovado pelo Congresso.
Nem por isso, em todo o caso, há sinais de pânico na equipe econômica. "As reformas vão demorar mais do que a gente gostaria, mas o importante não é tanto o volume de resultados, mas que elas estejam em movimento", diz José Roberto Mendonça de Barros, secretário de Política Econômica.
Há até, no governo, quem comemore as emendas já aprovadas, embora não incidam diretamente sobre o déficit.
O ministro do Planejamento, José Serra, por exemplo, diz que "o fato político mais importante do ano foi a aprovação das mudanças na Ordem Econômica".
Serra lamenta que esse fato tenha sido "pouco valorizado até pelo próprio governo. Foi uma mudança fundamental que terá desdobramentos nos próximos anos".
Previsões sombrias
Talvez, mas, no horizonte de mais curto prazo, o ano de 1996, as reformas que não vieram provocam outro tipo de previsões, mais sombrias.
No almoço tradicional de fim de ano oferecido pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), seu presidente, Carlos Eduardo Moreira Ferreira, previu que, com as reformas, o crescimento econômico de 1996 tenderá a chegar aos 4%. Sem elas, no entanto, será bem mais modesto (2,5%).
Era natural, nesse cenário de relativa indefinição, que tivesse sido adiada para 1996 ou, talvez, 1997, a primeira emenda constitucional a aportar no Congresso, assim que este se instalou.
É a que permite a reeleição de todos os ocupantes de cargos executivos. Ela continua tramitando, mas sumiu até do noticiário, na esteira das crises do Sivam e da pasta cor-de-rosa.

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