São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Relojoeiro sonha com gemido das pessoas

ANDRÉ LOZANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Para superar o ano "esquisito" que o comerciante Eiji Ishida, 59, disse ter tido, "só um 1996 muito bom".
Ele e sua família quase foram atingidos pela explosão da casa de umbanda Ogum Sete Estrelas, no dia 28 de janeiro, em Pirituba (zona oeste de São Paulo).
A explosão destruiu um quarteirão e matou 15 pessoas. Quatro feridos foram retirados com vida dos escombros.
Ishida é dono de uma relojoaria que ficava ao lado das casas atingidas pela explosão. A construção resistiu ao impacto das explosões de pólvora negra, embora a estrutura da casa tenha sido danificada.
O relojoeiro se salvou porque quando ouviu os primeiros estampidos dos rojões imaginou que fossem tiros de um suposto assalto.
"Ouvi os 'tiros' e corri para dentro de casa (que fica atrás da loja). A minha mulher, a minha filha e eu nos escondemos na cozinha. De repente ouvimos um barulho muito mais forte e um pedaço de concreto (do tamanho de uma bola de tênis) varou o telhado, a laje e caiu a menos de um metro de nós", contou Ishida.
Quando ele voltou para a frente da loja se deparou com uma imagem que até agora o persegue em sonhos: ele viu apenas o braço de uma pessoa na calçada.
"Essa imagem e os gemidos das pessoas soterradas, eu acho que não vou esquecer nunca mais", disse o relojoeiro.
Ishida avaliou que se não tivesse confundido os estampidos de rojões com um assalto poderia ter morrido.
A frente de sua loja ficou totalmente destruída: portas e uma prateleira de vidro de dois metros de comprimento quebraram, mas não chegaram a atingir ninguém porque a loja estava vazia.
"Eu espero que o ano que vem seja muito melhor. Esse ano foi esquisito", disse o comerciante. Ishida afirmou que teve prejuízo de R$ 200 mil com a destruição de suas mercadorias e que não foi indenizado pela prefeitura.
Há um mês
Uma das sobreviventes do explosão de Pirituba, que ficou quase uma hora soterrada (ela não quis que seu nome fosse divulgado), disse que se lembra da tragédia "como se ela tivesse ocorrido há um mês".
A moça perdeu a irmã e a mãe no acidente. "O que mais me impressionou é que as pessoas que entraram nos escombros não fizeram isso para ajudar as pessoas soterradas, mas para roubar o que ainda restava de cada casa destruída. Nós recuperamos caixas de jóias da minha mãe, em perfeitas condições, porém, vazias."
Ela disse que as paredes começaram a ruir no momento em que corria na sala em direção ao terraço para tentar localizar o pai que estava na rua. "Não deu tempo de nada. Logo fui soterrada e rezei para que me achassem", contou.
A sobrevivente disse que a indenização que recebeu da prefeitura não foi suficiente para cobrir nem 10% do que ela e o pai perderam.
Processo
O processo da explosão de Pirituba ainda não foi concluído. Ele foi remetido do Fórum da Lapa para o Tribunal do Júri de Pinheiros, que, por sua vez, voltou a devolvê-lo ao Fórum da Lapa.
(AL)

Texto Anterior: Rapaz que ficou 17 h em bueiro gostou de 95
Próximo Texto: Ferido espera ano ainda pior
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.