São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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"Trabalho na contramão do jornalismo"

A apresentadora do "Gente de Expressão" diz que corta informações do programa se o entrevistado pedir
Folha - É fácil para uma brasileira conseguir entrevistas com músicos e atores internacionais?
Bruna - Depende do caso. Tenho uma equipe de produção que trabalha em Los Angeles e outra no Brasil. São 12 pessoas ao todo. Elas fazem os primeiros contatos. Depois, se for preciso, entro no circuito. Telefono, envio um fax, uma carta.
Um bom exemplo é o Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones. Ele não queria conversa de jeito nenhum. Então, lhe mandei uma cópia do "Gente de Expressão" com o Tom Waits (músico norte-americano). O Keith gostou e resolveu agendar a entrevista. Acertamos tudo, mas na última hora ele avisou que estava com problemas e desistiu.
Fiquei mal. No mesmo instante, lhe enviei um fax escrito a mão. Não lembro bem o que escrevi. Devo ter dito que sou fã dele e que queria muito encontrá-lo. Era uma sexta-feira. Eu estava em Los Angeles e ele em Nova York.
Assim que mandei o fax, peguei o primeiro avião para lá. Viajei sem saber o que iria acontecer. Quando cheguei, procurei os agentes do Keith. Expliquei, insisti e a entrevista acabou rolando.
Folha - Quem prepara as perguntas? Você ou a equipe de produção?
Bruna - Geralmente sou eu. Antes, leio tudo sobre o entrevistado. Passo dois ou três dias estudando a pessoa.
Folha - Você quase não entrevista políticos. Por quê?
Bruna - O problema do político é que, para a entrevista sair boa, você tem que brigar. Precisa haver uma certa discussão durante a conversa. Caso contrário, não funciona.
Folha - E você não quer brigar?
Bruna - Eu não tenho preparo para brigar. Trago outras coisas na cabeça. Não nasci para fazer ciladas. Não estou na vida para preparar armadilhas. Minha missão é descobrir seres humanos.
Folha - Você se preocupa em deixar o entrevistado confortável?
Bruna - Eu me preocupo em fazer as pessoas felizes. Queria que todo mundo fosse feliz. Não digo isso de maneira alienada, como uma boba. Tenho muito estofo, tenho um trem atrás de mim para poder falar o que estou falando.
Folha - Você evita fazer perguntas sobre a vida pessoal do entrevistado?
Bruna - Se acho que vai doer demais, não faço.
Folha - Quando entrevistou o Cazuza no "Cara a Cara", a Marília Gabriela quis saber se ele tinha Aids. Você faria uma pergunta assim?
Bruna - Não sei.
Folha - E para a Vera Fischer, você faria perguntas sobre seus problemas conjugais?
Bruna - Seria muito delicada com a Vera, muito delicada. Porque vejo nela uma pessoa ferindo e ferida. Não deixaria de perguntar coisas que estão aí, que todo mundo comenta. Mas acho que dá para fazer a pergunta com respeito.
Sei que a mídia pode ser muito violenta e massacrante. Busco, em qualquer circunstância, uma certa delicadeza perdida. Trabalho no tom da delicadeza, da sensibilidade.
Não me interessa o furo pelo furo, a informação a qualquer preço. Quero o grande prazer de desvendar seres humanos, quero humanidade. Trabalho na contramão do jornalismo.
Folha - Na contramão do jornalismo?
Bruna - Exatamente. Já consegui informações preciosas durante uma entrevista. Só que, depois, o entrevistado me telefonou pedindo: "Pelo amor de Deus, Bruna, corta aquilo". Eu respondi: "Não precisa pedir duas vezes, está cortado, ponto final".
Folha - Isso aconteceu muitas vezes?
Bruna - Algumas e não apenas com entrevistados brasileiros. Sou daquelas pessoas que você pode assinar papel em branco comigo. Sobrevivo pela minha honestidade.
Folha - Você às vezes abusa do jogo de sedução, não acha?
Bruna - Se eu abusasse, estaria bem na vida.
Folha - Estou me referindo apenas a seu comportamento durante algumas entrevistas.
Bruna - Olha, sou do jeito que sou. Não ajo de maneira diferente diante das câmeras. Gosto de brincar, gosto de ser do jeito que sou no trabalho, na rua, com meu filho, com você. De vez em quando, recebo elogios. E daí? Não é para fazer um carnaval disso. Recebi elogios a vida inteira. Toda mulher recebe.

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