São Paulo, quarta-feira, 1 de fevereiro de 1995
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Quem pita, não apita

STALIMIR VIEIRA

Enquanto as discussões sobre a regulamentação da propaganda de cigarro estiverem sendo tratadas levando em conta a opinião dos publicitários, da indústria tabageira e do comércio do fumo, os argumentos apresentados não merecem nenhuma consideração séria.
A questão da propaganda do cigarro não é diferente da questão do cigarro em si: é assunto de saúde. É ridículo chamar personagens tão pouco representativos do interesse público a tecer considerações sobre o tema. Os malefícios que o vício causa na população são responsabilidade do poder público.
Absorvedouro de todo o drama resultante do ato doentio de fumar, o governo tem que agir com autoridade e independência. Sem pruridos bobos que só servem para estimular a formação de lobbies e criar campo fértil para a corrupção de congressistas venais.
Restringir o fumo em locais públicos, criar dificuldades para a propagação da doutrina que induz ao vício (propaganda) é um direito legítimo do Estado, em nome da saúde de seus cidadãos. Misturar na mesma panela temas como democracia e livre iniciativa nada mais é do que tentativa perniciosa de confundir a opinião pública. Como perniciosa é a tese de que não faz sentido proibir a propaganda de cigarro se a produção e o comércio são permitidos.
Todos sabemos que temos milhões de dependentes da nicotina. Gente que, privada repentinamente da satisfação de seu vício, sofrerá alterações importantes de comportamento. Um prato cheio para o contrabando e o tráfico.
O bom senso determina que o consumo do cigarro deve ser desestimulado paulatinamente, principalmente junto aos jovens, foco maior das tabageiras, a fim de evitar novas gerações de dependentes.
Por outro lado, é primarismo abordar a questão olhando apenas para a indústria do cigarro no Brasil, contando seus empregados e impostos. Os mais importantes argumentos contra o negócio do cigarro são oferecidos por ele mesmo.
Poucos setores no mundo investem tanto em pesquisa, em avaliações de imagem, em consultas científicas, como o do fumo; portanto, poucos setores têm tanta consciência de sua real situação como a indústria e o marketing do cigarro. E, em decorrência disso, investem pesado na diversificação.
A ponto de o cigarro ser, hoje, apenas um segmento decadente de grandes conglomerados, atendendo, principalmente, regiões mais atrasadas —como as Américas Central e do Sul— e menos desenvolvidas da Ásia, da África... Portanto, se o Brasil quiser sair dessa condição mercadológica humilhante, a primeira providência é parar de perguntar aos maiores interessados na produção do cigarro qual é a opinião deles sobre as restrições à propaganda do produto, ó pá...

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