São Paulo, quarta-feira, 1 de fevereiro de 1995
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Edmundo, meu camaradinha, se liga, pô!

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Quinzinho, o rei da malandragem paulistana, costumava dizer que malandro demais vira trouxa. É no que se transformou um dos maiores talentos que o futebol brasileiro produziu nas últimas décadas: o avante Edmundo, do Palmeiras.
Quando bati os olhos nesse menino, ainda nos juniores do Vasco, fiquei deslumbrado. Não só pela facilidade de domínio da bola, mas, sobretudo, porque Edmundo, ao receber a bola, riscava uma linha reta imaginária entre ele e o gol, e por ali seguia, como sobre um fio de navalha, incontível —só ele e a bola, pois os adversários não contavam. Eles, na expressão rodrigueana, juncavam o chão, abatidos pela magia de suas fintas.
Num futebol eminentemente solidário, com fortes tendências a descambar para o burocrático, tal individualidade teria de ser saudada com 22 salvas de canhão e uma garrafa de D. Perignon. E foi.
Mas, se os adversários não conseguiam tirar-lhe a bola, logo perceberam que podiam tirar o próprio Edmundo de campo, facilmente. Bastaria cutucar o menino ingênuo que se esconde por trás da pose de malandro suburbano carioca que Edmundo ostenta. Pronto, desnuda-se o trouxa. Pois o que é o trouxa, no linguajar da malandragem? É aquele que toma prejuízo e ainda leva a vaia.
Exatamente o que acontece, rodada sim, rodada não, com o nosso Edmundo. E a coisa chegou a tal nível que os próprios protagonistas da trama —os jogadores adversários e até companheiros— vêm a público e revelam tudo. Edmundo, meu camaradinha, se liga, pô!

Há quem goste de comparar Edmundo a Almir, o Pernambuquinho, aquele meia do Vasco, Corinthians, Santos e Flamengo, dos anos 60, que chegou a ser chamado de Pelé Branco e que acabou morrendo jovem ainda numa briga de bar.
Ambos tinham em comum o pavio curto. A diferença é que Almir tinha um traço heróico que escasseia em Edmundo. Fazia e acontecia, no campo e fora dele, sem baixar a crista nunca. Até mesmo seu futebol não tinha os bordados do de Edmundo. Era voluntarioso, goleador por excelência, baixinho atrevido e maldoso.
Edmundo me lembra mais o Gonçalo, outro meia destemperado, que correu mundo, a partir da Portuguesa santista, Santos, São Paulo, Fluminense etc.
Gonçalo era doidinho, doidinho, mas foi um dos jogadores de maior domínio de bola que vi na minha vida. Ele e a bola pareciam feitos um para o outro, não se desgrudavam nunca. Gonçalo só não se dava bem era com a outra bola, o mundo.
Certa vez, nas Laranjeiras, o técnico resolveu barrá-lo no coletivo, por indisciplina, claro. Pois o craque passou as duas horas de treinamento dando volta pelo campo, bola colada à cabeça, aos pés, aos joelhos, coxas e peito, fazendo embaixadas, sem deixá-la tocar o solo uma única vez sequer. O estádio veio abaixo. E o coletivo foi ele, só, na beirada do campo. Ele e a bola.

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