São Paulo, quarta-feira, 1 de fevereiro de 1995
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A volta de Sarney

Em março de 1990, quando deixou a Presidência, José Sarney era avaliado como ruim e péssimo por 56% da população e ótimo ou bom por apenas 9%. Deixando um país com a mais alta inflação da sua história, foi o alvo principal durante a campanha eleitoral. Cinco anos depois, o mesmo Sarney, com sua imagem recuperada, é escolhido presidente do Senado.
Reviravoltas desse tipo evidentemente não são desconhecidas da atividade política, mas a importância do cargo e o caráter simbólico do personagem justificam uma reflexão um pouco mais detida.
Deve-se reconhecer desde logo que a transformação de presidente rejeitado a líder do Senado não foi instantânea. Depois de eleger-se senador —para o que teve de bandear-se para o Amapá, é verdade—, Sarney foi recuperando sua influência, firmando-se como uma liderança de relativo peso no Parlamento a partir de uma inconteste experiência e habilidade para articulação, além de laços familiares, de amizade e de vassalagem política.
A reabilitação como que se consolidou nos primórdios da corrida presidencial, quando seu nome chegou a figurar como segundo colocado nas pesquisas —o que sugere que os brasileiros, com uma memória curiosamente seletiva, preferem recordar o efêmero sucesso do Cruzado do que a lenta agonia dos anos finais do seu mandato.
É importante lembrar, contudo, que a gestão Sarney foi também caracterizada por escândalos como o da ferrovia Norte-Sul e pelo uso político de concessões de rádio e TV na busca do mandato de cinco anos. Aliás, não deixa de ser desanimador notar que esta foi sua mais marcante intervenção, como presidente, no Congresso constituinte.
É necessário portanto que a sociedade acompanhe o comportamento do novo presidente do Senado nos próximos dois anos. Sarney é sem dúvida experiente o bastante para perceber que o Brasil mudou, que a população anseia por novos hábitos na área pública e que diversas reformas constitucionais imprescindíveis terão de passar pelo Legislativo. Resta saber se será capaz de agir de acordo com os novos tempos, ou se fará mais uma gestão tradicional, ao estilo da velha guarda da política brasileira.

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