São Paulo, quinta-feira, 2 de fevereiro de 1995
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Onde vocês estão com a cabeça?

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA — Tenho me esforçado nesta coluna a combater a histeria contra o Congresso, por considerá-la não apenas um equívoco, mas munição contra a democracia. Não é fácil —aliás, é dificílimo. E por um motivo: o próprio Congresso não ajuda. Colocar um notório suspeito de envolvimento em narcotráfico na direção do Senado é demais.
Ernani Amorin (PDT-AC) foi eleito para uma das secretarias da Mesa do Senado. A notoriedade do senador chegou a tal ponto que seu suposto envolvimento com o narcotráfico está registrado na "Enciclopédia Britânica".
A suspeita é estimulada por Romeu Tuma, agora senador, ex-dirigente da Polícia Federal. É pai do deputado Robson Tuma, que participou da CPI do Narcotráfico, cujo relatório cita Ernani Amorin.
Ernani, claro, nega: diz que resolveu se eleger apenas para se defender das acusações. Não necessário ser um gênio para descobrir que ele está, na realidade, em busca de imunidade.
Não há um único indivíduo de bom senso no Senado capaz de apontar o óbvio: colocar um suspeito de narcotráfico não compromete apenas a imagem do Congresso, mas de todo um país. Cria-se, aqui, o risco do senador, eventualmente, ser culpado e escudar-se na imunidade parlamentar.
A legislatura passada acabou chamuscada pela anistia ao Humberto Lucena. E a nova começa manchada por colocar um suspeito de narcotráfico em sua direção. Minha modesta pergunta aos senadores: onde os senhores estão com a cabeça?

PS — Por falar em imagem do Brasil, o governo americano lançou ontem relatório sobre direitos humanos. Reconhecem-se avanços, conquistados, em boa parte, pela pressão da sociedade. O texto mostra, porém, uma verdade (infelizmente) irretocável: somos um país em que o assassinato de crianças, líderes sindicais, enfim, grupos vulneráveis, permanece, em geral, impune. Não estou preocupado com nossa imagem no exterior. Estou preocupado com o que os brasileiros estão fazendo com os brasileiros. Assim como é preocupante como os americanos matam os próprios americanos: lá, matam-se mais crianças do que no Brasil.

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