São Paulo, quinta-feira, 2 de fevereiro de 1995
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Cobrar é preciso

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO — Alguns leitores e amigos estranharam que na crônica de domingo eu tenha sido injusto ao saudar o retorno de Lula à luta. Para ser claro: não votei nele, mas as urnas o colocaram como alternativa de tudo o que se instalou no poder. Seu silêncio, sua omissão, ou mesmo o seu enfaro pela política estão custando caro não apenas aos que nele votaram, mas a todos os que não votaram em FHC.
Na eleição passada, antes mesmo de Collor tomar posse, o PT —com Lula à frente— já fazia oposição ao que ainda não existia, mas nem por isso deixou de existir —e como!
Agora, estranhamente, ou por acedia, desencanto pessoal, fadiga ou o que quer que seja, Lula deu-se um tempo e o resultado aí está: tirante meia dúzia de políticos isolados, não há uma oposição formalizada.
O que está havendo —e tende a crescer— é o número de descontentes que por isso ou aquilo, principalmente por terem suas pretensões contrariadas, engrossarão uma ou outra votação contra o governo. O que não chega a ser uma oposição, mas óbvia posição de barganha.
Falta o líder, o chefe de oposição cuja palavra repercuta não apenas no Congresso, mas nas ruas, nas fábricas, nos sindicatos. Foi melancólico, por exemplo, ver a passeata dos aposentados no Rio, semana passada.
Entregues à própria sorte, sem canais com a mídia, sem estrutura operacional, uma centena de anciãos foram congestionar o trânsito na avenida num protesto artesanal que deve ter dado orgasmos no sr. Bresser Pereira e em todos aqueles que acham que aposentado deve ser jogado no lixo para não atrapalhar o crescimento do PIB.
Seria diferente se os aposentados tivessem à frente um líder nacional, legitimado pelo seu passado e pelos milhões de votos que conquistou nas urnas.
O silêncio de Lula e de uma oposição orgânica faz o Brasil de FHC ficar curiosamente parecido com o Brasil de Castello, Costa e Silva e Médici. Era um tempo em que todos pareciam estar a favor. A turma do contra, envergonhada, achava politicamente útil permanecer na dela. Ao contrário daquele bolero, assim se passaram mais de dez anos.

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