São Paulo, sexta-feira, 3 de fevereiro de 1995
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Um novo tempo

SÍLVIO LANCELLOTTI

Os clubes da Itália deram, nesta semana, o exemplo mais bem acabado de como se começa a reagir à violência animalesca de alguns grupos de torcedores. Depois que Vincenzo Spagnolo, 24 anos, morreu no último domingo, numa rixa antes do jogo entre o Genoa e o Milan, na capital da região da Ligúria, simplesmente decidiram que, no próximo dia 5, não haverá rodada pelo campeonato do país.
Não foi uma decisão tranquila. Inúmeros cartolas, a partir de Antonio Mataresse, o presidente da federação da Bota, tentaram contemporizar, armados com um antigo chavão: a estupidez de uns poucos não pode prejudicar o todo. Além disso, claro, a suspensão de uma rodada de partidas compromete diretamente os ganhos dos times e, por extensão, os lucros volumosos da própria federação.
Envolveu o episódio, porém, um fato crucial. Jogadores, e não cartolas, optaram pela suspensão, ao meio tempo, do cotejo Genoa x Milan, assim que souberam, nos vestiários, do assassinato de Spagnolo. O capitão do Milan, Franco Baresi, procurou o capitão do Genoa, Vicenzo Torrente, e lhe propôs a reação inédita e inusitada. Os principais dirigentes das duas agremiações, Aldo Spinelli, do Genoa, e Adriano Galliani, do Milan, apenas testemunharam e avalizaram a posição radical dos atletas. O árbitro Gianni Beschin apenas aceitou uma decisão, então, insuperável.
Por causa da reação da imprensa peninsular, que apoiou integralmente a posição dos atletas, na segunda-feira o presidente Matarrese aderiu ao movimento de revolta.
Igualmente Mario Pescante, o presidente do Coni, o Comitê Olímpico da Bota, saiu da toca para pedir, digamos assim, uma data de greve anti-violência.
Ninguém espera, evidentemente, que a violência fora dos gramados, ou a violência nas arquibancadas, acabe num rompante, por causa da tal greve. De todo modo, fica registrada a disposição dramática que os verdadeiros astros do "calcio" exibiram —em contrapartida à pusilanimidade da maioria dos cartolas. Na pior das hipóteses, Baresi, Torrente e companhia bela cabalmente soterraram os últimos resquícios das relações de quase escravidão entre os clubes e os jogadores.
Aos clubes, cabe que aceitem os novos tempos, e se modernizem. Depois da suspensão de Genoa x Milan, o "calcio" nunca mais será o mesmo. Aliás, talvez, nem o futebol do resto do planeta. Que o Brasil dos estádios deteriorados, o Brasil da corrupção desavergonhada e o Brasil da violência impune pensem no tema.

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