São Paulo, sexta-feira, 3 de fevereiro de 1995
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Isabel Allende supera o papa na Itália

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Paula", o último livro da escritora chilena Isabel Allende, 52, bateu todos os recordes de venda na Itália e passou na frente de "Cruzando o Limiar da Esperança", do papa João Paulo 2º. "Paula", um livro-carta para a filha que morreu, deve ser lançado no Brasil em agosto, pela editora Bertrand Brasil, que publica todos os livros de Allende no país.
No próximo mês, estréia em São Paulo "De Amor e de Sombras", filme da americana Betty Kaplan, adaptado do romance homônimo de Allende de 1985. No ano passado, estreou nos cinemas "A Casa dos Espíritos", filme adaptado de seu primeiro romance e de maior sucesso —só no Brasil o livro está na 19ª edição.
Allende falou à Folha por telefone de San Francisco, onde vive. Ela vai ao Chile todos os anos, mas diz que prefere morar nos EUA para estar perto da família.

Folha - O que a senhora acha das adaptações para o cinema de "A Casa dos Espíritos" e "De Amor e de Sombras"?
Isabel Allende - Gosto muito dos dois filmes. Gosto de "A Casa dos Espíritos" e acho que gosto talvez até mais de "De Amor e de Sombras". É um filme lindo.
Folha - O cinema soube lidar com o realismo mágico de "A Casa dos Espíritos"?
Allende - Quando o diretor Billie August me disse que queria fazer o filme, ele disse que o realismo mágico não funciona muito bem nos filmes. O que se consegue dizer com palavras em literatura requer a imaginação do leitor. No cinema, é uma imagem, que pode muitas vezes ficar grotesca.
Não funciona muito bem. Há exceções. O filme "Como Água para Chocolate" lida com o realismo mágico muito bem, mas faz isso num tom de comédia. "A Casa dos Espíritos" é um filme mais sério. Era difícil fazer isso sem que parecesse engraçado.
Sabia desde o começo que essas passagens não seriam incluídas. Então ele usou apenas alguns "toques" de realismo mágico, como o vaso de flores levitar. Mas muito pouco. Acho que ele fez isso bem, discretamente.
Folha - Dois livros seus e também o da mexicana Laura Esquivel, "Como Água para Chocolate", foram adaptados para o cinema e se tornaram muito populares. Isso poderá incentivar um "boom" da literatura latino-americana feminina?
Allende - Sim, já vejo que os editores da Europa e de outros países estão procurando por escritoras da América Latina. Antes, era muito difícil para uma mulher publicar no exterior e agora eles estão nos procurando.
Folha - Seu último livro, "Paula", é um grande sucesso. Na Itália, já ultrapassou em vendas o livro do papa. A que a senhora atribui esse sucesso?
Allende - Isso é muito estranho. Quando escrevi o livro, nem tinha certeza se ia publicá-lo. É muito pessoal, sobre a morte de minha filha. Escrevi para minha filha e para minha família. Acontece que muitas pessoas perderam alguém em suas vidas, algumas pessoas perderam parentes ou crianças, outras perderam o amor ou seu país. Elas se identificam com a história.
Folha - A que corrente da literatura latino-americana a senhora diria que pertence?
Allende - Não sei. Faço parte da primeira geração de escritores latino-americanos que cresceu lendo autores latino-americanos. Na geração anterior, dos escritores que provocaram o primeiro grande "boom" da literatura latino-americana, eles não liam uns aos outros. Cresceram lendo autores europeus ou americanos.
Mas tive esse privilégio, porque quando comecei a ler todos esses escritores do "boom" estavam sendo publicados. Para mim foi muito fácil encontrar uma voz, uma maneira de escrever, porque eles já tinham escrito esses grandes livros antes. Eles criaram um interesse mundial pela literatura latino-americana. Expressaram o que somos, como um coro de vozes muito diferentes, mas harmônicas. Cresci lendo Gabriel García Marquez, José Donoso, Mario Vargas Llosa, Jorge Amado.
Folha - A senhora disse que começou a escrever tarde...
Allende - Comecei a escrever ficção aos 39 anos, mas escrevia antes como jornalista. Precisava trabalhar para sustentar minha família. Quando comecei a escrever não via isso como uma profissão. Quando "A Casa dos Espíritos" foi publicado fez um enorme sucesso na Europa, mas não deixei meu trabalho porque não tinha certeza de que poderia escrever um segundo livro. Quando meu segundo livro foi traduzido, senti-me suficientemente segura para deixar meu trabalho na escola e começar a escrever como profissional.
Folha - A senhora gosta do Antonio Banderas, protagonista dos dois filmes de seus livros?
Allende - Ele é maravilhoso. Gosto dele como ator e como pessoa. Ele é um jovem muito sossegado. Pessoalmente, não parece o "macho" que se vê na tela, o símbolo sexual. Ele é muito doce. Acho que neste filme "De Amor e de Sombras" a diretora trouxe para fora toda a sua doçura. Neste filme ele é um protagonista muito sensível.

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