São Paulo, sexta-feira, 3 de fevereiro de 1995
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Cidade próxima à fronteira entra em alerta

FERNANDO CANZIAN
DO ENVIADO ESPECIAL A MENDEZ

A última cidade do Equador antes da fronteira com o Peru entrou ontem em "alerta vermelho" e está à beira de uma evacuação no caso de avanço das tropas peruanas.
Mendez tem cerca de 2.500 habitantes e, ao contrário dos vilarejos vizinhos à zona de conflito, ainda não foi evacuada.
A cidade está localizada a menos de 50 km da fronteira, onde os combates acontecem.
Aos gritos de "Fujimori Gallina" (galinha significa covarde) e "Peruanos invasores" e "Basta ya, carajo" (Basta já, caralho), mais da metade da população de Mendez realizou ontem ato público de apoio às Forças Armadas.
Armado com uma lança de onde pendia a bandeira do Equador, o prefeito de Mendez, Jaime Ramirez, espetou até a morte uma galinha branca em praça pública e a exibiu à população. "É isto o que merecem os peruanos", disse.
Sob forte sol, a passeata incluiu crianças, velhos e mulheres, além de militares que estão mobilizados na cidade. Um helicóptero equatoriano sobrevoou Mendez durante a manifestação.
Participaram até a miss da cidade, o padre e um bêbado famoso que vive exibindo pelas ruas cobras cortadas ao meio. Havia uma banca com churrasco de frango e bananas grelhadas.
Nos discursos de ontem, as autoridades de Mendez acusaram Fujimori (descendente de japoneses) de não ter "identidade americana" e de querer separar o Equador da Amazônia.
A cabeceira do rio Cenepa, onde concentram-se os combates entre os dois países, é a única via de acesso do Equador ao rio Mara¤on, que desemboca no rio Amazonas.
O capitão Freile, chefe da Força de Resistência em Mendez, disse em entrevista à Folha que, em caso de ataque, serão distribuídas armas aos homens e jovens. Eles não serão evacuados.
Desde ontem não há iluminação nas ruas e a população e comércio são obrigados a apagar as luzes e fechar as portas às 21h30.
Brigadas formadas por jovens equatorianos fazem patrulhamento 24 horas por dia para manter "a ordem militar".
Alguns dos convocados, inclusive do sexo feminino, têm menos de 15 anos.
Toda a cidade é obrigada a ouvir diariamente ladainhas militares e marchas pelos alto-falantes da prefeitura e da igreja da cidade —localizada em uma clareira na floresta e à beira do rio Paute.
A população de Mendez tem pouca informação sobre o conflito. Os aparelhos de televisão da cidade captam mais as transmissões de programas peruanos do que do Equador.
A estação local está tirando do ar todos os noticiários e informes emitidos do Peru sobre a guerra.
Ontem, por exemplo, a programação foi interrompida logo após um capítulo da novela brasileira Renascer, que a televisão peruana está exibindo em versão dublada em espanhol.
Uma das únicas fontes de informação são as centenas de folhetos que os militares estão distribuindo para a população.
Os textos são sempre ufanistas e pregam insistentemente a defesa de "cada centímetro do território" contra os inimigos do Peru.
Em um dos folhetos aparecem soldados e civis equatorianos cravando a bandeira do país em uma área que hoje pertence ao Peru, mas que foi tomada do Equador durante a guerra entre os dois países em 1941.
Na época, o Peru conquistou à força cerca de 55% do território equatoriano.
Desde segunda-feira passada, quando começou o ano letivo no Equador, todas as crianças de Mendes e demais vilarejos nas áreas próximas ao conflito estão impedidas de ir às aulas.
Ontem, durante toda a manifestação, as crianças usavam uniformes escolares e carregavam pequenas bandeiras de plástico com as cores do Equador.
As escaramuças entre os dois países foram retomadas no último dia 9, quando o Equador afirma ter prendido uma patrulha peruana em seu território.
(FCz)

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