São Paulo, segunda-feira, 6 de fevereiro de 1995
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'Pátria Minha' traz nova polêmica à tona

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os percalços sofridos pela novela "Pátria Minha" mais uma vez desafiaram a equipe liderada por Gilberto Braga a criar novos focos de interesse na narrativa. Demonstrando sua genial capacidade de provocação, os autores desta vez polemizam sobre a imprensa.
Embora trabalhe com uma oposição estereotipada entre o jornalismo romântico, feito por profissionais que estão sempre a defender uma causa e o jornalismo sensacionalista, feito por profissionais frios e fúteis, capazes de inventar qualquer história para vender jornal, a novela chama a atenção para a centralidade da mídia, mas relativiza o caráter de verdade que investe a palavra impressa.
Policiais, juízes, bandidos e detetives são os habituais personagens-líder de situações de suspense. Em "Pátria Minha", no entanto, foram os jornalistas que ganharam espaço na tentativa de desvendar os mistérios envolvidos no incêndio que matou as personagens de Vera Fisher e Felipe Camargo.
Desde o início da novela, Heitor (Rodolfo Bottino) encarna um jornalista que clama por justiça e se entrega a perseguir os poderosos. Seu caráter missionário parece determinado por sua profissão, a de descobrir e divulgar a verdade.
Dada a corrupção da polícia e da Justiça e a demora da perícia, coube ao jornalista a denúncia da negligência do hotel que fechou as saídas de segurança para economizar vigias, tranformando o local em "uma ratoeira", algo como "um novo Bateau Mouche".
E ele se martiriza, se sente um "Dom Quixote lutando contra um moinho de vento cheio de boatos e suposições", em uma redação estranhamente ladrilhada e escura —em alguns momentos mais um escritório de Humphrey Bogart que um jornal.
A oposição entre uma imprensa séria, desinteressada e consequente e uma imprensa inconveniente, intrometida, que "faz qualquer coisa para vender jornal", imediatamente nos sensibiliza como ultrapassada e maniqueísta.
Afinal não é possível ficar só no plano da caracterização moral, esquecendo que enquanto empresas privadas todos os jornais dependem da venda de exemplares. E em nosso cotidiano essas duas vertentes que na novela estão representadas em jornais diferentes, se embaralham em cada órgão de imprensa.
No entanto, o maniqueísmo da novela é sempre ambíguo e parece resistir a interpretações unívocas de conteúdo. A disputa entre os dois jornais desorganiza os grupos de aliados da história, deslocando falas, comportamentos e opiniões de vilões e mocinhos. A defesa da liberdade de imprensa é proferida pelo repórter sensacionalista.
A história do diário sensacionalista convence até alguns de seus amigos, afinal Lídia (Vera Fisher) era mesmo meio maluca. Por seu lado, a humildade e a doçura cheia de escrúpulos de Heitor, compõem um personagem que ao contrário da imagem heróica, é pouco influente, não se esmera em charme ou sedução. E perde no amor.
A construção de duas versões convincentes do incêndio chama a atenção para o caráter fugidio, muitas vezes desagradável e incômodo, do sentido na novela e na imprensa.

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