São Paulo, segunda-feira, 6 de fevereiro de 1995
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Sexo, violência e religião

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA — Em frase de 1968, Nelson Rodrigues antevia: "Ainda seremos a maior nação ex-católica do mundo". Passados 27 anos, a profecia sobrevive, ainda que irrealizada.
Às voltas com a ascensão de seitas evangélicas, a Santa Madre Igreja cumpre uma via crucis para conservar-se na dianteira da indústria da fé no Brasil.
No momento, a cruzada transfere-se para uma arena, digamos, apropriada: o céu. Na era da modernidade, a palavra de Deus ganhou as alturas; propaga-se via satélite. O aspecto mais curioso é que invade os lares justo pela porta mais promíscua: a televisão.
Como no provérbio muçulmano em que a montanha desloca-se até Maomé, também neste caso se o fiel não vai à Igreja, a Igreja vai ao fiel.
Os protestantes abusam da técnica de separar pastores e ovelhas, para uni-los no tubo de imagem. O templo mais vistoso dos telepastores é a TV de Edir Macedo, célebre mercenário da fé.
Agora, os católicos preparam-se para lançar sua própria cadeia de TV, a Rede Vida. A "programação cristã" será irradiada, a partir do interior de São Paulo, para antenas de emissoras montadas por dioceses de vários Estados.
Ao meter-se no ramo televisivo, a Igreja Católica atualiza-se do ponto de vista tecnológico. Mas, longe de espantar o fantasma da decadência, presente no vaticínio de Nelson Rodrigues, torna-o mais assustador.
Moderniza-se o meio, mas não a mensagem. O que atrai audiência na televisão é a ação. E nada poderia ser mais estático e imutável do que o receituário católico.
A TV de Edir Macedo mistura ao discurso religioso-mercantil uma programação mundana, que inclui de telejornais a enlatados americanos. Ainda assim, amarga baixíssimos índices de audiência.
A Rede Vida não deve recorrer aos mesmos artifícios. Se conseguir atrair a atenção de carolas tradicionais, terá feito muito. Padres e freiras logo descobrirão que, certo ou errado, em meio a uma pogramação que mistura sexo e violência, Deus dá cada vez menos ibope.

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