São Paulo, sábado, 11 de fevereiro de 1995
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Gradualismo e seletividade

VICENTE PAULO DA SILVA

Em relação às importações, nossa posição sempre foi definida: não nos opomos à abertura do mercado, mas jamais aceitaremos uma política que leve ao sucateamento da indústria brasileira.
Nossa proposta vai muito além da mera proposição de retorno da alíquota ao patamar negociado no Mercosul. Defendemos, sim, gradualismo e seletividade na redução das alíquotas de importação; a fixação de quota para os veículos importados; a obrigatoriedade de percentual mínimo de peças nacionais a serem utilizadas na fabricação de veículos; a proibição de importação de carros, peças e pneus usados (que só vem a prejudicar a modernização do parque industrial brasileiro).
Foi a equipe econômica que errou ao reduzir, de uma só tacada, em outubro passado, a alíquota de importação de 35% para 20%, sendo que o Brasil já havia acertado com os outros países do Mercosul que somente em 2001 atingiríamos tal patamar. O resultado é que tornou-se mais lucrativo importar do que produzir no país. Estudo do Dieese mostra que a importação vem obtendo margens de lucro maiores do que a fabricação nacional, ao mesmo tempo em que paga menos impostos.
Por exemplo, comparando-se a estrutura de preço final de um veículo Omega CD fabricado no Brasil com a de um Honda Prelude, verificou-se que, enquanto o fabricante nacional repassa aos cofres públicos 35% de impostos e tem lucro total de 20%, a empresa importadora do Honda repassa 31% de impostos e embolsa 33% do preço!
O mesmo estudo alerta que, para cada conjunto de 16 carros importados circulando nas ruas, 4,3 postos de trabalho são desativados ou deixam de ser criados, sendo um posto nas montadoras e 3,3 no restante da cadeia produtiva. Portanto, o volume de 450 mil veículos importados que estava sendo anunciado poderia representar a perda de 120 mil postos (28 mil nas montadoras e 92 mil no restante da cadeia).
Desde o início da câmara setorial, buscamos elaborar propostas que possibilitassem alavancar a produção e o consumo de veículos no Brasil, sem prejuízo da arrecadação tributária e com a recuperação gradativa dos níveis de emprego e salários no setor. No mesmo sentido, propusemos a redução dos preços dos veículos beneficiando o consumidor brasileiro. Chegamos inclusive a parar a via Anchieta, quando da intenção das montadoras de aumentarem seus preços após o primeiro acordo.
No encontro do último dia 6, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, através do companheiro Guiba, apresentou nossas propostas concretas visando estimular o consumo e a fabricação de veículos no país, dentre as quais: a) a manutenção dos preços dos veículos ditos populares; b) a redução do IPI incidente sobre os demais veículos; c) a punição rigorosa a todos os agentes que estejam comercializando veículos com valores acima da tabela (ágio); d) a ampliação das modalidades de consórcio (50 meses) e a criação do "leasing pessoa física"; e) o incentivo à entrada de novos produtores de veículos no país.
Infelizmente, o governo pretende também aumentar o IPI dos chamados veículos populares. Isto poderá significar a retração do consumo, da produção e do emprego. Ao mesmo tempo, os meios de comunicação não divulgaram nossas propostas corretamente ou as deturparam em vários casos.
Não é possível admitirmos que a câmara setorial seja apenas avalizadora das medidas previamente decididas pelo governo FHC. Não aceitaremos que ela se limite apenas às definições relativas aos interesses do governo e dos patrões. São fundamentais avanços nas questões referentes a metas de emprego, salários, participação nos resultados, contrato coletivo, entre outros temas da relação capital/trabalho. Nestes termos, estaremos de fato contribuindo para o desenvolvimento do país.

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