São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995
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China cria geração de pequenos imperadores

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

A China cria a geração dos "pequenos imperadores", filhos únicos nascidos depois da adoção do controle da natalidade em 1979.
A estratégia "um casal, um filho" reduz o crescimento populacional e gera um novo tipo de chinês, melhor nutrido, com mais facilidade de aprendizado, porém menos sociável e "mimado".
Essa geração brinca com robôs japoneses e videogames, come hambúrguer no McDonald's e enfrenta aulas particulares de inglês, numa maratona bastante diferente dos pais, crescidos durante a Revolução Cultural (1966-1976).
Naquela época, a ortodoxia comunista de Mao Tse-tung impunha, com violência, igualitarismo e isolacionismo à China.
Sustentado por estudos científicos, o diagnóstico do mimo e da superproteção também se repete em conversas informais no país.
Os próprios chineses cunharam as expressões "pequenos imperadores" (seus desejos são uma ordem) e "geração sol" (porque em casa, pais e avós gravitam em torno de um astro-rei: o filho único).
Nos anos 50, a propaganda maoísta cultuava as mulheres que "premiassem a pátria com muitos filhos" e cada família costumava educar quatro ou cinco crianças.
Mas o país mais populoso do mundo, 23% dos habitantes do planeta, resolveu mudar a política quando percebeu quantas bocas teria que alimentar.
A política "um casal, um filho" nasceu junto com as reformas pró-capitalismo, geradas pelo dirigente comunista chinês Deng Xiaoping e sob o lema "tirar o país da pobreza".
A economia de mercado mudou os contornos do país que recebia a geração de filhos únicos.
"Muitas crianças hoje desfrutam de um quarto só para elas, algo impensável na minha infância", afirma Yang Feng, psicóloga de Xangai (leste da China).
Ela, uma solteira de 29 anos, resolveu se dedicar ao estudo dos "pequenos imperadores" e traçar o perfil de uma geração que pode chegar ao poder na China dentro de quatro décadas.
Primeiro, eles ficam mais em casa do que as gerações anteriores e aprendem a brincar sozinhos ou se fixam diante da televisão.
"Como consequência, essa criança tende a se tornar menos sociável e num ambiente novo, costuma reagir com medo, inativo", analisa a psicóloga.
Sem o hábito da companhia de irmãos, algumas crianças costumam mostrar dificuldades na hora de compartilhar seus brinquedos.
"Trata-se de um estímulo ao egoísmo", afirma Yang Feng. A superproteção ao reizinho também traz efeitos negativos.
"Professores e pais no Ocidente preferem dizer 'tente você' e encorajam seus filhos a fazerem várias coisas sozinhos, enquanto na China professores e pais sempre dizem 'deixe que eu faço para você', para mostrar amor e atenção", compara Zhen Yan, diretora da Associação para Educação em Família de Pequim.
Zhen Yan coleciona casos de superproteção. Em entrevista ao jornal "China Daily", ela recorre à história de Xiao Tian, 8, que ainda não sabe se vestir sem ajuda. Pais e avós não deixam nem mesmo que ela amarre seus sapatos.
Num grupo de 160 crianças entre 4 e 6 anos, 34% delas revelam "capacidade muito limitada" de se vestir, se lavar ou pentear os cabelos. A pesquisa foi feita em quatro escolas de Tianjin, cidade no nordeste da China, e registrou alguns "pequenos imperadores" num país que se livrou de sua família imperial em 1911.
Mas a corte dos "pequenos imperadores" não se compõe apenas de realezas negativas.
Para a psicóloga Yang, eles são mais "inteligentes" do que gerações passadas. "Com uma sociedade mais aberta, produtos eletrônicos ao alcance, recebem muito mais estímulos para desenvolver a inteligência", diz.
A China do Partido Comunista no poder e do capitalismo na economia testemunha mudanças físicas em seus novos filhos.
"Sem competidores no almoço em casa, eles são melhor alimentados e isso é visível, mostram bochechas mais róseas do que na minha geração", conta Yang.
A psicóloga também recorre a seus estudos para mostrar as mudanças biológicas. "Antes, as meninas tinham sua primeira menstruação entre 13 e 15 anos, hoje em dia já cai em alguns casos para 11 anos", diz ela.
Para os "pequenos imperadores" em famílias dos novos ricos, a moda reserva aulas particulares de piano, violino e inglês.
A tradição chinesa vive com o ensino dos poemas escritos na dinastia Tang (618-907). O fenômeno da "geração sol" guarda ainda uma luz bastante urbana. No campo, a China muitas vezes se vê obrigada a relaxar a política "um casal, um filho".

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