São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995
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O rei está nu

Títulos não faltam a Giorgio Armani, 60. "Imperador da moda" e "duque da elegância", o estilista italiano é também empresário, com 200 lojas pelo mundo e faturamento de US$ 300 milhões por ano.
Veste personalidades em áreas diversas, como política e artes.
Fama e excelência lhe valeram uma festa em Hollywood, no final de 1994, oferecida por Isabella Rossellini, Clint Eastwood, Michelle Pfeiffer, Antonio Banderas, entre outros. Aqui, fala de cinema e reclama do peso do cetro.
— O sr. acaba de ganhar uma festa-homenagem em Los Angeles, organizada por atores e diretores famosos. Para quem nasceu e cresceu na pequena cidade italiana de Piacenza, chegar a Hollywood é um milagre?
— Num certo sentido, Hollywood representa a conclusão de uma viagem, para a qual eu comecei a me preparar muitos anos atrás. É a realização do sonho de toda uma vida. Quando eu era um jovem vitrinista em Piacenza, assistia religiosamente a todos os filmes americanos, um atrás do outro. Diretores, atores, cinegrafistas e até autores de trilhas sonoras me eram familiares.
— O cinema o influenciou muito?
— Fui nutrido de cinema e graças a ele pude partir para minha viagem. Então, o que vi agora em Hollywood já era de certa forma conhecido, não só porque não foi minha primeira vez lá, mas também porque eu tinha noção daquele mundo. Além disso, conhecia os atores de outras festas, de outros desfiles. Alguns eu visto fora das telas, outros em um ou outro filme.
— Foi tudo rotina, portanto? Não houve nenhuma novidade?
— Não, não, foi maravilhoso ver os estúdios da Warner e da Fox, tão velhos e empoeirados e ainda com um certo glamour de 50 anos atrás. E também ver reunidos todos os grandes nomes do cinema, os velhos e os novos, observá-los movimentar-se em seu território como peixes no aquário.
— Qual dos atores que estiveram na festa lhe agradou mais?
— Aqueles velhos. Sean Connery, por exemplo, Clint Eastwood, que circulavam como reis leões no set, nunca relaxados, nunca simplesmente eles mesmos, sempre alertas, conscientes de estar numa passarela, superprofissionais, perfeitos.
— E os mais jovens?
— Christian Slater e Tom Hanks me deram a impressão de que são mais modelos que atores,capazes de interpretar principalmente eles mesmos.
— E a festa em si?
— Fiquei impressionado com o uso que os norte-americanos fazem destas ocasiões mundanas. Na Europa, ainda se pode estar junto para fazer uma festa, e só. Na América, tudo é estratégia: falar com um controlando o outro, circular num certo grupo, ser visto em companhia de certas pessoas. Se você conversa mais de um minuto com alguém que não conta, está fora. Mal acabavam de engolir o último pedaço da sobremesa, já estavam todos de pé, tentando reconstruir a teia dos intereses, momentaneamente interrompida pela necessidade de comer.
— O cinema o atrai ainda hoje?
— Quando assisto a algum filme, fico com o coração apertado de ver como as pessoas se arrumam. Não falo dos jovens, mas dos senhores de mais idade. Não há um só que coloque um casaco, um bonito casaco normal, de bom tecido. Todos usam somente jaquetas, muitas vezes caríssimas e horrendas jaquetas.
— O sr. acha que sua moda representa a Itália?
— Não. Representa mais um modo meu de pensar e de viver.
— O sr. acha que a moda é a última coisa que os italianos sabem fazer bem, a última pela qual são conhecidos no mundo?
— Não. Fala-se muito de nossa moda porque um vestido é uma mensagem fácil, acessível a todos. Ainda mais, é agradável porque vem acompanhada das modelos, novas deusas que substituíram as antigas divas. E, naturalmente, fala-se também porque a moda está ligada a interesses econômicos. Há outros setores nos quais somos bons, mas que não interessam à imprensa, porque não representam um grande negócio.
—Quais, por exemplo?
—Penso nos artesãos, marceneiros, decoradores e restauradores, entre outros. Temos bons profissionais nestas áreas na Itália, mas eles não são notícia.
—O sr. é muito exigente?
—Sim, bastante. Mal termino um desfile, uma coleção, uma promoção, penso logo em como poderei melhorar.
—E o sr. aplica esta exigência na crítica aos colegas?
—Sou um crítico inflexível, se bem que muito diplomático, de meus colegas estilistas. Também dos administradores públicos, dos políticos e dos cidadãos. Às vezes, me imagino como um xerife que pune as injustiças, as agressividades, a falta de profissionalismo, de seriedade, o desrespeito ao próximo e, naturalmente, o mau gosto.
—Como empresário, o sr. acha que a Itália consegue sair do caos econômico atual?
—Nós conseguiremos, não temos como não conseguir. Basta que não nos acomodemos. O meu produto, quase que me envergonho de dizê-lo, não foi penalizado pela crise. Não posso, porém, relaxar nunca, encostar as costas na poltrona, deixar escapar um "já fiz, agora paro um pouco para contemplar".
—Alguém com a fama de Giorgio Armani não fica com a tentação de se acomodar?
—Durante a minha vida, quando fui tentado a me acomodar, sempre teve uma pessoa ou um fato que me fizeram mexer.
—Quando, por exemplo?
—Aos 26 anos, quando eu trabalhava como comprador na cadeia de magazines La Rinascente e estava bem, apagado mas quase contente. Uma querida amiga, Adriana Monti, me forçou a aceitar a proposta de Nino Cerruti, para desenhar a sua coleção masculina. Justo eu, que nunca havia desenhado. Foi a virada que mudou minha existência. Depois, outra virada aconteceu, mais terrível. Fui forçado, na morte de meu sócio Sergio Galeotti, a tornar-me empresário. Justo eu, que sempre me considerei somente "criativo". Então, veio a terceira virada: a capa da revista "Time", em 1982.
—Esta capa o coroou imperador da moda, não?
—Sim, mas é difícil ser imperador. Aliás, continuar a sê-lo. Os príncipes podem inventar coisas novas, audazes, para tentar subir mais alto. Já aquele que está no trono tem um espaço mínimo para se movimentar: se se mexe muito, acaba caindo.
—Traduzindo, Giorgio Armani não pode fazer loucuras, como encurtar as saias em 20 cm, usar cores com liberdade ou criar vestidos extravagantes para meninas de 18 anos?
—Sim, e isso não me agrada. Tanto que às vezes me pego invejando certos colegas que podem ousar mais que eu.
—A coroa do imperador é bela e prestigiosa, mas provavelmente pesada.
—Sim.

DA REVISTA "SETTE", DO JORNAL "CORRIERE DELLA SERA"/ TRADUÇÃO ANASTASIA CAMPANERUT

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