São Paulo, terça-feira, 14 de fevereiro de 1995
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O bife mandrake

SYLVIO LAZZARINI NETO

Este artigo poderia receber também o título de "Transfigurações da Carne" porque serve para mostrar como alguns passes de mágica espertamente aplicados no comércio da carne bovina, à maneira de Mandrake, permitem ludibriar desprevenidos consumidores.
A "malandrakagem" vai longe, porquanto além de lesar diretamente os consumidores põe em xeque todo o esforço produtivo dos pecuaristas e atribui a estes o papel de trouxas.
Rememoremos rapidamente os fatos recentes para evidenciar que a esperteza de certos setores do comércio equivale a pôr um chapéu de bobo em cada um de nós, produtores e consumidores.
Dias atrás, o Sindicato Nacional dos Pecuaristas de Gado de Corte (Sindipec) veio a público para denunciar a maquiagem aplicada em cortes de carne bovina por algumas redes de supermercados. Truques como esse impedem repassar ao consumidor, na forma de preços mais baixos e de melhor qualidade, os progressos conseguidos na pecuária.
A denúncia mereceu da parte de um diretor da Associação Paulista de Supermercados a consideração de que alguns supermercados fazem da carne um artesanato. Corri a um desses estabelecimentos para conferir e confesso que me espantei com a imaginação criadora.
Ali não só a carne se transfigurou. Os preços também se transfiguraram e ganharam alturas jamais imaginadas pelos pobres de espírito.
Só para efeito ilustrativo, registremos que a paleta, corte popular do dianteiro bovino, era vendida, em peças inteiras, a R$ 2,29/quilo. Cortada e embalada, ganhou novo status e novo preço: passou a ter a denominação de bife-borboleta, custando agora R$ 5,62/quilo. A mesma paleta virou assado à inglesa, ao preço de R$ 5,62, e também assado campestre a R$ 4,83.
O dianteiro com osso, no atacado, valia, no mesmo período, em torno de R$ 1,20/1,30. Portanto, a margem de comercialização média era de somente 355%.
O simpático patinho, conhecido corte do traseiro, vendido em peças inteiras valia R$ 3,29. Mas, rebatizado e elevado à categoria de "Chateaubriand", foi encontrado a R$ 9,90.
Nesse mesmo dia, o traseiro com osso era comercializado a R$ 2,40, dando ao nosso supermercado a "apertada" margem média de 290%.
Estivéssemos em Paris e num lance de genialidade apelidássemos o entrecôte de boeuf-feijoada, para engodar o consumidor e forçar a margem de comercialização de normais 75% para 290%, os indignados parisienses pediriam a nossa cabeça na guilhotina e o Procon de lá sairia em nosso encalço.
Ainda para efeito ilustrativo, permita-nos fazer a conta na direção inversa. Ou seja, calculemos quanto nós, pecuaristas, poderíamos ganhar pela arroba de boi gordo, caso fossem repassados esses superpreços do supermercado.
Aplicando sobre esses preços as margens de comercialização sugeridas no livro "Orientações para o Comércio Varejista de Carnes" (Editora Senac, 1993), deveríamos ter um traseiro vendido pelo frigorífico a R$ 5,30 e um dianteiro a R$ 3,23. Agora, aplicando as margens normais, de praxe, da indústria frigorífica, teríamos uma arroba valendo para o pecuarista a bagatela de R$ 65,40 ou US$ 77,90.
Sem dúvida, seria a maior cotação do planeta. Um maravilhoso sonho, ante os R$ 26,00 que apuramos hoje.
A "mandrakagem comercial", porque bem-sucedida até agora, veste em nós todos, produtores e consumidores, o chapéu de burros.
Assim, investir pesado em melhoramento genético, em tecnologia, aumento de produtividade, confinamento, cruzamento industrial, qualidade da carne, tudo isso é desafio para "trouxas".
Tomando de empréstimo o exemplo, talvez também pudéssemos, nós, pecuaristas, abrir, artesanalmente, novas fronteiras no campo da genética animal. Por que não novilho borboleta, ao invés de brangus? Ou campestre, ao invés de canchim, ou mesmo chateaubriand ao invés de simbrasil?
Pegamos geada, seca ou chuva demais, pagamos impostos demais (que nos inferiorizam ante a concorrência internacional), arcamos com o papel de vilões e, de quebra, somos passados para trás com passes de mágica.

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