São Paulo, terça-feira, 14 de fevereiro de 1995
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Ação da Cidadania e a democratização da terra

MARIA MAGDALENA ALVES

A Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida está operando em dois eixos: atendimento de urgência a situações de fome localizadas e geração de empregos. Neste ano, como já anunciou Betinho, será acrescentado um terceiro eixo: democratização da terra.
Desse modo, serão atacados os principais fatores da fome: as políticas econômicas que geram desemprego e aviltam salários e as políticas agrícolas que provocam concentração de renda, fabricam miséria no campo e comprometem a segurança alimentar.
O trabalho da Ação da Cidadania neste ano avançou. Não tanto quanto a gravidade do problema requer. Mas o suficiente para demonstrar que o senso de responsabilidade social ainda não desertou inteiramente da cultura brasileira. Existem hoje, no Estado de São Paulo, cerca de mil comitês da Ação da Cidadania em plena atividade. É pouco, mas já é algo. Esses comitês arrecadam e distribuem alimentos diretamente a pessoas carentes. Não há burocracia, clientelismo político nem corrupção.
Quem arrecada organiza e fiscaliza a distribuição. Muitos comitês já deram um passo adiante, ingressando na etapa da geração de empregos. Centenas de iniciativas estão sendo experimentadas: oficinas comunitárias de confecção de roupas, oficinas de consertos, fábricas de blocos de construção. Obviamente não se vai solucionar o problema do desemprego por aí, mas as experiências demonstram que, havendo solidariedade, os desempregados encontram soluções criativas para assegurar sua sobrevivência.
As atividades elencadas não esgotam o escopo do movimento. Seu objetivo é mais ambicioso, não quer remendar as mazelas de um sistema social falido; quer erradicar a fome e, para isso, quer mudar a mentalidade do nosso povo, introduzindo em nossa cultura o conceito de que uma sociedade que admite a fome de milhões de seus membros é uma sociedade imoral.
A partir dessa ética, quem aceita viver em uma sociedade assim, sem fazer nada para mudá-la, incorre também em uma conduta antiética. Por isso as atividades da Ação da Cidadania incluem a produção de vídeos e textos de análise do problema da fome e a organização de conferências e assembléias populares destinadas a discutir e avaliar as políticas de segurança alimentar.
Em São Paulo, o governador eleito, quando em campanha, afirmou enfaticamente seu desejo de combater a fome e de criar empregos. Espera-se agora que delineie um plano mais concreto em relação a ambos os problemas.
Não basta dizer que o combate à fome e a criação de empregos constituem prioridades primeiras em seu plano de governo; é necessário estabelecer metas, calcular custos e dizer claramente de onde virão os recursos para sufragá-los, mencionar a estrutura de organização que pretende montar para garantir a execução destas metas, proporcionar uma indicação dos métodos e políticas que serão seguidas pelos órgãos públicos no cumprimento da tarefa, porque isso é vital para o êxito do programa.
No final de 1994, a Ação da Cidadania repetiu o sucesso do Natal Sem Fome de 1993, apesar de neste ano as características terem sido diferentes. Curiosamente, apesar da febre de consumo que a imprensa anuncia como sinal de que a situação financeira da população melhorou, foram as doações domésticas, potencializadas pela campanha desencadeada pela Folha, que garantiram a distribuição de alimentos para muitas famílias; a participação de grandes grupos e empresas na coleta não atingiu o nível do ano anterior.
Será que a preocupação com a fome de milhões passou de moda? Longe de desanimar, a Ação da Cidadania enfrenta essa dificuldade como um desafio: reforça a tese de que, para vencer a batalha da fome, é preciso derrotá-la, primeiro, na consciência das pessoas.

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