São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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Leia o discurso de Fernando Henrique

Esta é a íntegra do pronunciamento feito ontem pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, antes da entrevista coletiva:
Bom dia, muito obrigado pela presença aqui nesta oportunidade, que é a primeira entrevista coletiva que dou depois de ter assumido a Presidência da República, há mês e meio. Eu pedi mesmo que houvesse esse encontro hoje, porque nós estamos enviando hoje ao Congresso a primeira série de emendas à Constituição e eu creio que é importante que se chame a atenção para o que está acontecendo hoje no Brasil.
Em primeiro lugar, eu queria deixar bem claro que eu acredito que nós estamos vivendo um momento de muita força para as mudanças. Um momento de otimismo. Um momento em que o brasil está começando a despertar para perceber que ele já é um país que tem condições de ter um futuro afirmativo, afirmativo para o seu povo. Um país que hoje pode com tranquilidade tomar decisões, que se reorganizou e que, entre os feitos que este povo conseguiu nas últimas décadas, aquele que me parece o mais significativo e que assegura a possibilidade do resto é que nós hoje somos um país democrático. Isso é muito importante e é especialmente importante para alguém como eu, que hoje sou o presidente da República e que tenho toda uma história de resistência aos regimes autoritários e de luta pela construção da democracia, de poder, com toda tranquilidade, dizer ao país e ao mundo que nós temos a democracia implantada.
Não me refiro apenas às instituições democráticas, que são muito importantes e que foram objeto de tantas lutas no passado, mas que hoje já não requerem lutas, porque são conquistas, são garantias existentes a nível constitucional e na prática do funcionamento das instituições.
Eu me refiro a muito mais do que isso. Eu me refiro ao fato de que, paralelamente à reconstrução institucional, o Brasil passou por uma mudança a nível da sociedade.
Hoje, o clamor não é só pela liberdade, é pelo direito, que é uma coisa um pouco diferente da atmosfera de liberdade, esta existe. Mas o clamor pelos direitos e a capacidade de organização da própria sociedade civil são alguma coisa de notável.
E por que, no momento em que eu estou enviando reformas, algumas emendas para reformar a Constituição, eu me refiro a esse pano de fundo da liberdade e da democracia? É porque essas reformas são a continuidade daquilo que este país deseja. Elas não são, pura e simplesmente a decisão do presidente ou de um grupo de técnicos, por mais competentes que sejam ou de pressões políticas, por mais legítimas que elas sejam. Elas são muito mais do que isso, elas são um anseio desse país, um anseio da população brasileira.
Eu não escondi nunca, durante a campanha eleitoral, qual era o meu pensamento político e quais eram os meus compromissos, quais são os meus compromissos, e eu ganhei as eleições dizendo o que penso e o que iria fazer. Eu estou apenas dando continuidade àquilo que me foi hoje delegado pelo povo brasileiro ao votar em mim. Votou sabendo que nós íamos fazer as mudanças. Votou porque quer as mudanças e votou porque está confiante que essas mudanças são para melhorar o Brasil.
Não se trata pura e simplesmente de ajustar o aparelho de Estado. Não se trata de obter uma forma mais adequada de extrair impostos e de distribuí-los melhor. É muito mais do que isso. Trata-se de fazer as modificações que vão permitir que, vivendo, como nós vivemos, numa sociedade democrática em que todos se organizam e demandam, que essas demandas possam vir a ser atendidas de forma estável, duradoura, e que essa forma estável e duradoura não seja só para os que hoje estão no governo, não só para a atual geração, mas tem uma perspectiva de futuro.
Nós hoje somos um país que já não estamos atropelados pelo dia-a-dia da inflação. Já não estamos com o fantasma do desemprego crescente rondando as famílias brasileiras. Nós estamos começando a divisar no horizonte que há um horizonte de prosperidade, que há um horizonte de progresso.
E é para a manutenção desse horizonte, para a criação de condições efetivas que permitam que os brasileiros possam ter uma vida melhor, é que estamos preparando algumas emendas à Constituição. De tal maneira que este país, que lutou tanto primeiro pela democracia, depois contra a corrupção e, em seguida ou simultaneamente, que desejava como desejou a estabilidade da economia e que hoje tem uma moeda que é respeitada, que é o real, para que esse povo possa perceber que isso não são momentos passageiros, mas que são realmente caminhos que podem ser palmilhados com certeza, com firmeza e com tranquilidade.
Sem as reformas, dificilmente eu poderia afirmar que o caminho está desimpedido para a estabilidade econômica.
Sem as reformas, eu dificilmente poderei afirmar que nós teremos condições de acabar com o clientelismo e limitar o corporativismo à sua área legítima, que é a defesa de interesses corretos daqueles que trabalham num ou noutro setor.
Sem as reformas, eu não terei condições de dizer que as pessoas no futuro terão também uma garantia de uma aposentadoria digna, que é uma aspiração correta de todos os brasileiros.
Sem as reformas, nós não teremos condições de afirmar que o crescimento econômico, que agora se verifica, será sustentável, porque haverá sempre empecilhos à atração de recursos privados que são hoje necessários para que nós possamos ampliar o nosso investimento e para que nós possamos continuar transformando a infra-estrutura da nossa economia e para que nós possamos assegurar o que é fundamental para os brasileiros: mais empregos e melhores salários.
O real significou isso para o povo, o povo mais humilde. O povo mais humilde não queria saber a tecnicalidade, como é que se chegou até o real. Se se trata de inflação inercial. Se se trata de aumentar a base monetária, diminuir a base monetária ou diminuir a base monetária. Se se abriu a economia, são abstrações do ponto de vista de quem tem ali o seu cotidiano marcado pela falta de recursos de no fim do mês chegar na feira ou no armazém e ter recursos para poder comprar. Essas são abstrações, muito importantes, mas para o povo o que interessou mesmo é que ele percebeu que no fim de um mês o seu dinheiro estava ali valendo o mesmo que valia no começo e, portanto, ele melhorou o seu nível de vida.
O real foi uma conquista popular. Terá sido um esforço do governo —e eu devo agradecer, mais uma vez— e, agora, agradeço ao ministro Malan, que hoje é o ministro da Fazenda e que participou tão intensamente de tudo isso. Àqueles todos que articularam, que definiram a nova moeda, eles foram muito importantes, mas o significativo mesmo, como eu disse muitas vezes, o que garantiu o real foi que o povo brasileiro percebeu e acreditou nele.
Ora, isso é o meu compromisso número um. Não é meu, é nosso, daqueles que sabemos que hoje dá para levar adiante as transformações com estabilidade. E a todos nós agrada e agrada muitíssimo que a inflação continue declinante. E, naturalmente, aqueles que na campanha eleitoral viviam dizendo que era um plano eleitoreiro, que isso duraria até o momento da posse se enganaram, a inflação continuou caindo e nós vamos ter que fazer muitos esforços para que ela permaneça baixa, porque a inflação não é uma coisa que se liquide com um ato. É um processo, e o governo está atento a isso e tomará as medidas necessárias.
Eu tenho dito, e repito hoje o que eu tenho dito nos últimos dias, que a política não é a arte do possível, é a arte de tornar possível o necessário. Quando for necessário, nós vamos fazer. Para zelar para que o real mantenha a sua capacidade aquisitiva, o seu valor, nós vamos tomar as medidas, ainda que aparentemente possam ser impopulares.
Os srs. são testemunhas que eu nunca tive receio da impopularidade momentânea porque eu não sou demagogo. Eu, quando tomo uma medida, pelos menos eu estou convencido de que essa medida terá um alcance positivo. Se me mostrarem que não, recuo, sem temer também manchetes que digam que recuei. Só não recua quem não tem senso de responsabilidade. Quando vê que há erro, recua. Nas batalhas, quem não recua, perde. É preciso flanquear para chegar ao objetivo, mas o objetivo tem que ser mantido e tem que haver continuidade nos esforços para chegar ao objetivo, e o objetivo do país é manter essa inflação baixa, e nós faremos o possível e o impossível para mantê-la nos níveis compatíveis com a capacidade aquisitiva do povo brasileiro, porque isso é que é garantir salário, isso é que é garantir bem-estar. Minha mão não assinará nunca uma medida que possa ser aplaudida, mas que é demagógica, porque ela vai imediatamente depois erodir os salários, através da inflação.
Pois bem, para que nós possamos continuar nesse rumo, nós precisamos agora chegar a realmente obter as reformas necessárias. Essas reformas são exigências do país. Aí estão as pesquisas de opinião pública a dizer. Todas elas dizem a mesma coisa. Poderá haver uma dúvida aqui, outra acolá, porque não se conhece o texto ainda, mas, na verdade, o país anseia por essas reformas, com mais compreensão do momento do que muitas vezes grupos organizados que se opõem a elas, porque têm interesses, legítimos que sejam do ponto de vista estrito desses grupos, mas que não têm a compreensão, esses grupos, do conjunto e, portanto, não percebem que a maioria precisa de mudanças.
É com espírito, portanto, muito positivo, que eu estou remetendo as reformas iniciais ao Congresso. Muito positivo e me parece absolutamente fora de foco quem pretenda se defender das reformas. Só os que têm privilégios é que querem se defender das reformas, e as reformas, eu reafirmo duas frases que disse no meu discurso de posse: uma, me permitam ler, diz assim, no Senado: o Brasil precisa tanto de mudanças como de continuidade, precisa de continuidade nas mudanças, mudanças com continuidade, faremos as mudanças continuamente.
E a outra afirmação que eu fiz é que, quando houvesse dúvidas entre o interesse das minorias privilegiadas e das maiorias, eu ficaria com as maiorias. Muitas vezes as minorias privilegiadas vêm com a etiqueta de povo, que é a melhor maneira de manter privilégio, mas cabe ao dirigente político, ao homem de Estado responsável, mostrar que o interesse popular não se confunde muitas vezes com aqueles que, usando o santo nome do povo em vão, defendem seus próprios interesses, seus próprios privilégios, e eu não vou naturalmente me iludir e ficar a favor de uma aparência de defesa do interesse popular, quando na verdade o que se requer são modificações que assegurem efetivamente o interesse da maioria.
Nesse primeiro conjunto de emendas, que estamos enviando hoje ao Congresso, nós nos referimos à ordem econômica. Nós vamos apresentar, na semana que vem, as matérias relativas à Previdência Social e, em seguida, nós vamos apresentar os textos sobre a reforma tributária e a reforma administrativa e alguns aspectos da reforma financeira. Isso não esgota a agenda das reformas que o país deseja. A reforma política é muito importante. Eu tenho reafirmado aos líderes partidários e aos presidentes da Câmara e do Senado, ambos empenhados nas reformas. Ainda ontem o senador Sarney fez um discurso onde reafirma esse compromisso, que cabe ao espaço do Legislativo desenhar as reformas políticas. Isso não quer dizer que eu me vá omitir, pelo contrário. Como senador apresentei várias idéias, inclusive tenho uma proposta de transformação do sistema eleitoral em termos de um sistema ainda proporcional, mas com voto distrital misto à la —para usar um termo mais fácil— Alemanha, adaptado ao Brasil, que foi aprovado pela Comissão de Justiça do Senado, portanto, a minha opinião é conhecida. Mas eu acho que esta parte específica o Legislativo tem a condição, o conhecimento e a capacidade para encaminhar essas reformas, e o governo deverá ter aí um papel mais ancilar, mais de auxiliar do que propriamente de estar à frente delas.
Faremos as reformas, oportunamente, de outras áreas. Proporemos as reformas no Judiciários em negociação sempre com o Poder Judiciário. Mas, agora, neste momento, nos parece que esses passos são os passos iniciais fundamentais para que nós possamos ter esta crença de que hoje existe no Brasil consolidada em instituições que dêem caminho para as transformações que o país necessita.
Hoje, nessas emendas relativas à ordem econômica, nós estamos aqui levando ao limite o que se chama flexibilização dos monopólios. Os senhores receberão essas emendas. Elas não são emendas tímidas. Elas são emendas que têm a audácia que o momento requer. Têm a audácia que o momento requer e estão respaldadas pela opinião pública, pelos partidos que me apóiam, posto que eu discuti emenda por emenda com os partidos, ainda hoje terei reunião com todos os líderes dos partidos, posto que todos os parlamentares, não só dos partidos que apóiam o governo, mas dos partidos que tiveram interesse nessa matéria e tomaram conhecimento da nossa orientação, mas se trata de mostrar que o Brasil hoje, para continuar crescendo, ele precisa de uma cooperação ativa dos capitais privados nacionais e estrangeiros. E as propostas vão nessa direção.

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