São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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Leia o discurso de Fernando Henrique

Não deixei de consultar as instituições que são aquelas que até hoje têm prestado imenso serviço ao Brasil nas distintas áreas que serão afetadas pelas emendas. A começar pelo petróleo, onde não deixei de conversar com o presidente da Petrobrás e de auscultar o pensamento sobre a matéria. E nesta matéria nós estamos propondo que a União mantenha, ela, o monopólio e seja a instituição concedente, mas que ela tenha a liberdade de conceder, via legislação, a possibilidade de capitais privados trabalharem naqueles setores que são hoje setores que apontam já para um certo estrangulamento da nossa capacidade de investimento.
A Petrobrás é uma das maiores empresas do mundo. Uma empresa à qual o Brasil deve muito. Uma empresa para cuja formação eu pessoalmente lutei e fui processado. E mantenho a mesma estima pela Petrobrás que mantive nesse tempo de juventude. Mas a Petrobrás hoje sabe que ela é tão forte que ela não tem o que temer. E que o Brasil precisa, além dela, de recursos adicionais para que nós possamos atender com presteza o nosso crescimento econômico. Ainda agora, veja, até com certo espanto pelos jornais, setores estaduais pediram que o presidente decida sobre matéria que não é política, da formação de uma refinaria aqui, outra ali. Isto é uma deformação. É de pensar que o governo, que o Estado, é quem tem que tomar decisões que são do interesse do mercado e do povo. É uma deformação. O governo tem a responsabilidade de tomar as decisões que tecnicamente lhe forem propostas. E nós temos que nos acostumar a despolitizar essas decisões, porque as decisões dessa magnitude, quando revestidas de um caráter político, acabam tendo um custo elevado para o país, para o povo. Se nós temos interesse legítimo de vários Estados, se há condições nesses vários Estados e se há capital de risco que queira fazer, por que não? Que o façam. O que eu não posso é empenhar o Tesouro, que o Tesouro é o povo, é o suor dos trabalhadores, da classe média, dos empresários, numa decisão de cunho político. A decisão tem que ser de risco de mercado.
Aprovada essa emenda, esses assuntos passam a ser tratados como deveriam ter sido sempre, num nível adequado, da otimização dos recursos e o resultado que mais retribui o investimento feito, e não com a distorção de uma vontade política que vai servir a interesses, por legítimos que sejam, de região, de pessoa, de grupo, de partidos.
Nós vamos modificar também o que já tinha sido modificado na legislatura anterior e que diz respeito à conceituação da própria empresa nacional e de empresa estrangeira. Empresa brasileira é aquela que tem sua organização aqui, está submetida às leis brasileiras. Manteremos a possibilidade de que esse tipo de empresa, ao produzir aqui em igualdade de condições, tenha vantagem sobre as que produzem lá fora. Mas, ao produzir aqui, infelizmente a Constituição atual, ela copiou mal o "American By Act" nos Estados Unidos, que beneficia efetivamente os produtores lá. Aqui na nossa nós não beneficiamos produtores, beneficiamos simplesmente, ou o ter nascido aqui, ou a empresa ter um nome de nacional. Não é essa a questão, que é de garantia do emprego, temos que aumentar o emprego, então aí está justíssimo. Que se assegure àqueles que produzem aqui melhores condições em igualdade de condições, melhor para conseguir a vantagem frente àqueles que produzem lá fora. Esse é o espírito do "American By Act", o compre americano, compre American. Nós teremos que comprar brasileiro também, comprar o que se faz aqui. Mas não é o que se faz aqui por um setor. Qualquer que seja o setor que venha aqui para produzir, pois que venha e que fique aqui, que se enraíze e que produza.
E, com o mesmo espírito, nós estamos também alterando alguma coisa da legislação relativa às telecomunicações. E também a cabotagem, mas tivemos o cuidado de dizer que a lei definirá as condições em que a cabotagem pode ser exercida, por uma razão muito simples: que nós estamos vindo de uma condição extremamente protecionista, que protege a todos e acaba não protegendo ninguém, sobretudo prejudicando o consumidor, porque encarece o preço final de tudo. Pois bem, nós não podemos fazer com que as empresas existentes compitam se elas não têm também igualdade de condições com as empresas que são estrangeiras. Então tem que modificar um conjunto de medidas para que elas possam competir. Não se trata, repito sempre, de fazer as coisas selvagemente, expressão que alguns gostam de usar como se isso fosse enorme irresponsabilidade, o fazer depressa, mas o apressado come cru. É preciso fazer com propriedade. Da mesma maneira, ao modificar os pontos que estão por modificar na Constituição, que são poucos, nós não estamos querendo reformar tudo, porque quem quer reformar tudo não reforma nada, queremos centralizar, focalizar os pontos que realmente produzirão um efeito sobre o conjunto da economia brasileira.
Da mesma maneira, embora eu já possa ter sido mal-entendido em outras oportunidades, repito aqui. A capacidade de conceder serviços públicos a terceiros, a necessidade de privatizar, que eu reafirmo, o processo de privatização vai seguir adiante com mais rapidez, como já foi dito em outras oportunidades, ela requer simultaneamente que o Estado se aparelhe para que ele possa ser o fiscalizador. Para que ele possa verificar a limpeza do procedimento na hora da concessão, na hora da privatização, e para que ele defenda o interesse da coletividade.
Eu não posso tornar, como vamos pretender tornar aqui, passível de exploração pelo capital privado um setor da telefonia, o que é bom porque aumenta, o usuário vai ter melhores condições de telefone, vai baratear o custo da instalação, mas eu não posso fazer isso entregando, perdoem-me a expressão, o filé mignon para o setor privado e deixando ao Estado apenas os ossos. Nós temos que ter aí uma capacidade de distribuir de forma equânime, adequada, de tal maneira que o capital privado tenha também a responsabilidade social. Que ele também atinja os setores que são setores menos favorecidos e que precisarão de um forte apoio de investimento. Isso tudo requer, como requer também, como disse recentemente, ao promulgar a Lei de Concessões de serviços públicos na área energética, especialmente, que a gente pense de uma maneira responsável as bacias naturais e que a responsabilidade, quando se vá privatizar ou quando se venha a dar uma concessão, seja a de que efetivamente os capitais privados nacionais e estrangeiros possam cooperar para a melhoria global da sociedade e não só para os setores que já têm tudo, em detrimento dos que nada têm. Então a ação de um Estado é absolutamente indispensável para permitir as modificações que estamos fazendo aqui. Não se trata de "ao invés de", se trata de"ao lado do" Estado. Mas um Estado que sabe que ele não tem hoje condições para fazer os investimentos na monta requerida, não tem a mesma capacidade de evitar que haja um processo pelo interesse, por corporativismo, um corpo corporativista forte que distorcione os resultados da sua ação, como tem o setor privado. Isso vale também para o setor de exploração mineral. O Brasil teve, nos últimos anos, uma paralisação de investimentos nessa área. Para dar um só número, o Brasil hoje tem apenas 10% dos investimentos estrangeiros na área de mineração, comparado com outros países na América Latina. 90% não estão no Brasil e nós temos as províncias minerais mais ricas, algumas das mais ricas do mundo. Nós fizemos restrições aí que beneficiaram umas poucas empresas, as quais não desenvolveram tecnologicamente o setor. Está na hora de mudar isso. Então nós estamos também propondo mudanças nesta área. Eu não vou me referir aos textos, que vocês terão acesso imediatamente a eles, mas estão dando apenas o espírito dessas mudanças.
Chegou a hora de avançar. Chegou a hora de enfrentar com muita clareza, com muita convicção, os interesses que vão se organizar, os lobbies pagos pelo serviço público. São os que mais se organizam. Esse bicho-papão não mete medo a adulto. Alguns sentem medo. Mas eu não tenho. Acho que também tenho convicção na imprensa. E eu tenho convicção de que nós estamos dando o espaço necessário para o Brasil retomar de forma sustentada o crescimento de sua economia.
No momento adequado virão as medidas relativas à Previdência. Eu quero reafirmar aqui, senhores. Para a gestão do governo Fernando Henrique, as alterações constitucionais da Previdência provavelmente não renderão um tostão. Renderão confiança maior em todo mundo, mas nem um tostão. Estou mandando também medidas infraconstitucionais, essas sim são capazes de aumentar a arrecadação e de permitir, o que eu farei com o maior gosto, que haja um aumento do salário mínimo que não seja de mentirinha, que não seja para deputado fazer discurso da tribuna e ir para a rua dizer que o presidente quer vetar. Vetar bobagem eu vetarei sempre. Agora, essas medidas infraconstitucionais, essa legislação infraconstitucional que vai permitir o acerto, eu verei no nível máximo que puder. São importantes. Mas por que então fazermos emendas constitucionais à Previdência? É porque é obrigação do homem de Estado de zelar não só pela sua gestão, mas pelo país e pelas gestões futuras. Isso pode parecer romântico, mas, por não ter havido condições sempre de ser assim, é que tem havido uma pressão tão grande, em parte por causa da inflação, por causa das desordens havidas, pelo autoritarismo, que cada um queria pensar apenas no seu período de governo, é que nós fomos acumulando erros.
Eu tenho que pensar no futuro. Não é no governo dos governantes futuros, é do Brasil, do povo do Brasil. Nós não podemos permitir que dentro de dez ou vinte anos nós tenhamos mais gente aposentada do que gente na ativa. E, quando isso ocorrer, quebra o sistema da Previdência. E aí não haverá aposentado nenhum. Nenhum. Porque não haverá recursos para isso. E não é sadio um país que transforma numa vantagem, numa cultura, o aposentar-se logo. Aqui as pessoas se querem aposentar logo porque o trabalho é mal pago. Se querem aposentar logo porque têm más condições de trabalho. Se querem aposentar logo porque não têm motivação. Se querem aposentar logo porque querem ter outro emprego para poder melhorar o seu salário. Esses são os problemas.
Vamos redebater isso com franqueza. De que adianta eu me aposentar aos 60 anos? Alguém outro dia me disse no Paraná que como é que alguém aos 60 anos pode dar aula. Eu disse: bom, eu tenho 63, embora às vezes eu diga sempre que eu tenho 64. Daí eu tenho 63 e eu acho que ainda posso dar aulas. Com 60 certamente eu podia. Isso não é verdadeiro. Agora, se a pessoa chega aos 60 sem poder dar aula, é porque durante todo o seu trajeto de vida foi maltratado. Teve um trabalho áspero que não foi reconhecido, teve mau salário, teve problemas de trabalho. Nós vamos corrigir é isso, ao invés de colocar como ideal, dando a impressão que as pessoas não querem trabalhar, quando o que elas querem não é não trabalhar não: é ter outro emprego. Vamos corrigir isso, mas não se corrige isso não alterando tudo que é importante. Agora, direito adquirido é direito adquirido. Nós mudamos a questão da moeda, nós alteramos a inflação respeitando os direitos, não quebrando contratos. Por que eu iria propor agora a quebra de contrato da área social? Não. E vejo até com pena pessoas que se apressam a se aposentar como se fosse acabar o mundo. Isso não precisa, se aposentar, não vai acabar o mundo não, e os direitos adquiridos serão respeitados.
Eu reafirmo isso porque muita gente manipula e fica ameaçando: ah, o governo vai... Não vai tirar nada, o governo quer é dar mais às gerações futuras também. Não só às atuais. Não é dilapidar um patrimônio social, tem que pensar no dia de amanhã. Mas quer é dar melhores condições para que isso possa se processar de uma forma objetiva. E vou dar um exemplo. A folha de salários da União passou de US$ 16 bilhões em 92 para R$ 33 bilhões em 95. Mais que dobrou. Agora, perguntem ao funcionário se o salário dele dobrou. Não dobrou. Aumentou, houve um aumento real. No governo Itamar Franco, e agora, com o aumento que demos em janeiro, os funcionários estão com os seus salários aumentando em termos reais. Que ninguém se iluda quanto a isso. O ponto de partida foi baixo, foi baixo. Mas o governo tem feito esforço e continuará fazendo para repor, em termos reais. Mas não dobrou. Sabe por quê? Porque a maior parte desse aumento da folha, ela vai para a aposentadoria. No caso da União, que a União paga mais que o integral o salário, quem se aposenta ganha mais de 100%, é 115, em média. Esse é o único país do mundo em que, ao se aposentar, a pessoa ganha mais, é um incentivo à aposentadoria precoce. Se você ganha mais como aposentado, para que trabalhar? E é uma coisa ilógica. Pois bem. Por causa disso o peso da folha de salários é enorme porque isso aumenta os gastos com o pessoal e não permite que se faça um aumento maior dos salários dos que estão trabalhando. Eu pergunto ao país o que ele deseja. Se ele deseja que os salários diminuam em termos proporcionais para quem está trabalhando permanentemente e aumentem para quem está aposentado ou se querem manter uma aposentadoria condigna mas que não tenha um peso desse porte. Importante que a massa de aposentados não cresça mais depressa que a massa dos ativos.
A pergunta é simples e, se o país responder que prefere realmente uma espécie de suicídio lento, o presidente lamenta, mas obedece à vontade da maioria. Se for essa a vontade do Congresso, se a maioria repetir no Congresso, achar que quer pouco a pouco sufocar quem trabalha e pensando que vai permitir a aposentadoria, quando não vai, porque daqui a dez anos ninguém vai ter essa possibilidade, porque estará tudo quebrado, para o meu governo não altera nada. Porque essas mudanças não são, os direitos adquiridos estão aí. Então não vai alterar nada no caixa, mas é uma questão de filosofia e de responsabilidade para com o futuro.

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