São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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"Precisamos do capital estrangeiro aqui"

Leia a seguir a íntegra da entrevista coletiva:
SBT - Bom dia, presidente. Críticos do governo, tanto de partidos da base governista como de partidos de oposição, vêm dizendo que o discurso governamental está concentrado demais na questão das reformas constitucionais e que há certas áreas do governo que dependem mais de uma ação de gerência e que não estão sendo bem cuidados. Uma prova disso é uma recente pesquisa que mostrou que a principal preocupação da população ainda é Saúde, Educação, que dependem hoje menos das reformas e mais de ações de gerência. Ações mais eficazes em áreas como estas propostas pela população podem ser esperadas agora, depois que encerra esta parte de remessa de reformas ao Congresso, ou só depois que as reformas forem aprovadas?
Fernando Henrique Cardoso - Pois não. Eu não sei os críticos, mas o presidente tem dito isso. Eu acho que, ao lado das reformas, existe todo um caminho de gerenciamento de governo, e que há muitas matérias que não são atinentes à reforma constitucional, mas são de gestão. Eu concordo com isso.
Só que, é claro, as reformas são importantes para facilitar. Tomemos o caso da Saúde. Hoje a Previdência Social ocupa praticamente todos os recursos das contribuições sociais, ou quase todos —Cofins ainda vai para a Saúde. Ora, isso diminuiu muito a nossa capacidade de atendimento, então as reformas também são importantes para isso.
Agora, com relação à Educação, nós já tomamos medidas, se se recordarem eu já participei de três eventos, e eventualmente de mais um, para mostrar o que já estamos fazendo. Não é para depois, é já. O ministro da Educação tem um plano, claro, sobre o que fazer. Ainda ontem fiz um discurso aos reitores do Brasil, do Crub, lhes disse que nós vamos modificar o relacionamento do Ministério da Fazenda com todas as Universidades, na questão de autonomia financeira, que é uma coisa importante, porque nós queremos que as Universidades assumam a responsabilidade dos gastos, e não simplesmente transferí-las para o Tesouro.
Nós alteramos o modo que o Ministério da Educação se relaciona, por exemplo, com o salário-educação, que vai ser distribuído diretamente às escolas, fato único, nunca houve, diretamente às escolas, porque a escola, a comunidade, sabe o que fazer de melhor com o dinheiro do que os canais burocráticos. Nós autorizamos que a distribuição do livro escolar e a escolha do livro escolar em Minas Gerais seja feita diretamente pela autoridade regional. Estamos preparando, portanto, um avanço que já vinha da gestão anterior na distribuição dos livros escolares, são coisas que já estão feitas.
Nós estamos alterando, ou pelo menos dando instruções no que diz respeito ao currículo básico e, sobretudo, nós estamos criando um sistema de televisão educativa à distância, portanto, educação à distância, que não é para a escola, é para o professor. Porque a questão fundamental do ensino básico, e não afeta a nós diretamente o ensino básico, diz respeito ao treinamento do professor. Nós estamos instituindo este sistema com muito empenho, com o doutor Roberto Muylaert, que está preparando junto com o ministro Paulo Renato de Souza.
O governo federal não tem responsabilidade direta sobre o pagamento de salários de professores primários, mas, ao dar o salário-educação mais diretamente às escolas, livrando os governos estaduais e municipais de certos gastos, isso pode contribuir para que o piso do professor primário seja aumentado, porque é necessário aumentá-lo. Então nós não deixando de fazer isso para depois. Nesse um mês e meio já fizemos muita coisa para a Educação.
Quanto à Saúde, da mesma maneira, o ministro Jatene tomou uma medida singela, mas importante. Em primeiro lugar, nós já estamos praticamente com o pagamento dos convênios em dia. Falta muito pouquinho para chegar, para pagar em dia. A moeda é estável, um atraso de 30 dias é ruim, mas não é dramático como era quando havia inflação.
Em segundo lugar, o ministro Jatene inverteu um pouco a ordem das coisas. Nós estávamos habituados, desde que estávamos no Ministério da Fazenda, e antes, a ver quantidades grandes de pessoas interessadas em educação reclamando que o governo não passa os recursos, na área conveniada. Pois bem. Ele fez umas estatísticas e mostrou que há muitos setores que têm internações acima da média nacional e áreas e Estados prósperos. Parece estranho que em Estados prósperos estamos tendo mais gente do que em Estados com maior número de pobreza. Enquanto não for esclarecido o que está acontecendo aí, estes hospitais não recebem dinheiro. Porque é muito fácil reclamar muito e não melhorar a gestão do próprio hospital. Não é o governo quem tem que melhorar a gestão diretamente, mas ele tem que criar condições para inverter e para ter também a qualidade. Eu diria, em uma palavra, o seguinte, tanto em educação quanto em Saúde, a ênfase vai ser em qualidade, não só em quantidade. Qualidade não se resolve de repente é um processo também cultural. Portanto, não adianta pedir para que o governo resolva em um mês e meio resolva. Mas a ênfase mudou, portanto nós tomamos medidas nessas áreas também.
TV Amazonas - Bom dia, senhor presidente. Senhor presidente, como vai ser a ação do governo federal em parceria com os governos estaduais da região Norte para o desenvolvimento da Amazônia e, em especial, como vai ser feita e, se vai ser feita, as vantagens comparativas para a Zona Franca de Manaus?
FHC - Veja, em primeiro lugar, a questão da Amazônia é uma oportunidade muito boa que me dão para falar sobre ela. Porque eu me referi em outras oportunidades às prioridades do governo no que diz respeito ao Rio de Janeiro, ao Nordeste, ao Rio Grande, e eu tenho que mencionar, porque é o que eu penso sobre a questão da Amazônia. Nós temos todas as condições de mudar, e mudar muito, a nossa visão sobre a Amazônia.
Eu tenho estado reunido com os governadores da Amazônia, mais de uma vez. E o pacto fundamental entre eles, e deles com o governo, é o seguinte. Se gerou uma imagem sobre a Amazônia, de que a Amazônia queria destruir os recursos naturais. Esses governadores todos têm me reafirmado que eles estão absolutamente empenhados na nova filosofia do desenvolvimento sustentável. Nós vamos fazer uma reunião na Amazônia, eu, os ministros que têm algo a ver com a Amazônia e os governadores, para definir quais vão ser as prioridades e as ações do governo na Amazônia. Mas sobretudo nós vamos, eventualmente até fora do Brasil mais tarde, transmitir essa convicção de que é possível o desenvolvimento sustentável na Amazônia, e que o desenvolvimento não pode ser contraditório com a preservação da natureza. Esse é o ponto de vista dos governadores da Amazônia.
Turismo é essencial para a Amazônia. Delimitação adequada nas áreas indígenas também. A definição das áreas de exploração mineral também. Eu tenho o compromisso de levar adiante a Tansamazônica, que está em estado lamentável. De fazer o linhão de Tucuruí seguir adiante, porque Tucuruí não está beneficiando a Amazônia. Nós temos o compromisso de fazer a Cuiabá-Santarém. Já estão sendo feitas as estradas de ligação lá para cima, para a Venezuela.
Existem problemas importantes a serem resolvidos sobre o óleo, do alto rio Negro. Existem compromissos de utilização da energia gerada na Venezuela e no Guri, para Boa Vista e Manaus. Eu quero saber com os governadores quais são as prioridades e como é que se faz uma cronologia disso, porque os recursos não são abundantes. Mas eu não quero decidir daqui, e eu não quero te dizer uma coisa que amanhã eu não cumpra.
Então nós vamos ter uma reunião logo, na Amazônia, se possível em março, antes de eu ir aos Estados Unidos em abril, para mostrar esse novo espírito. Vamos apelar por esses recursos que existem na área internacional, mas que só vêm se deixarmos claro que nós temos essa nova visão sobre a questão amazônica. Nós vamos dar um grande impulso no projeto Sivan (inaudível), que é um projeto importante, que é de controle do espaço aéreo, através do sistema de radares da Amazônia, e que isso tem um investimento de mais de R$ 1 milhão, enfim, nós temos uma enorme quantidade de temas para discutir e vamos fazer isso tudo, isso tudo eu não direi, mas vamos definir lá na Amazônia o que vamos fazer.
Mas havia uma questão específica sobre os incentivos. Isso está na Constituição. Não há proposta nesta matéria de alteração. Nós temos que examinar com muita objetividade o que significa esses incentivos lá. Nós temos que refazer o Basa, nós vamos designar alguém para o Basa com um critério técnico. Os governadores sabem disse e apóiam. Eu não sou, nunca fui nem serei partidário da utilização de recursos públicos em termos políticos.
Nós vamos pensar de novo a Sudam como a Sudene como órgão efetivo de planejamento regional e, nos limites das minhas forças, os recursos públicos da Amazônia em consonância com os interesses do povo da Amazônia serão usados sem distorções do tipo político.
E, na verdade, o que diz respeito à Zona Franca, ela gera empregos, continua gerando empregos, eu sei disso, eu conheço, conheço o assunto mais ou menos de perto, o assunto que eu debati no Senado e eu não quero me antecipar, mas certamente uma região como a Amazônia precisa de incentivos para que ela possa continuar crescendo.

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