São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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"Precisamos do capital estrangeiro aqui"

Agência Reuters - Senhor presidente, vários empresários brasileiros e estrangeiros ficam decepcionados com as suas propostas e acham que elas são elementares demais. Eles gostariam de ver, por exemplo a plena privatização da Telebrás e Petrobrás. O que o senhor acha dessas queixas?
FHC - Elas não são queixas, são interesses. Eu tenho que cuidar do interesse nacional e eles cuidem dos deles. Na verdade, nós vamos fazer a privatização de acordo com aquilo que nos parece adequado ao Brasil. Faremos a privatização, precisamos do capital estrangeiro aqui. Nós estamos tirando, agora mesmo da Constituição as matérias que poderiam ser obstáculos a que haja privatização.
Agora, definição do que se privatiza, em que momento, é uma questão de interesse nacional. Eu espero que os investidores estrangeiros compreendam isso e, ao invés de se queixar, ponham o dinheiro aqui, porque há muita coisa boa aqui. Por exemplo, o setor energético todo está aberto e está necessitando de dinheiro. Ele precisa de US$ 5 bilhões ou US$ 6 bilhões por ano, no mínimo, para evitar um estrangulamento. Nós vamos privatizar a excelsa, que já está aí na lista de privatização. Nós reativamos todo processo de privatização na parte da Petroquímica, que vamos terminar. Nós estamos dispostos, vamos privatizar a Light. Colocamos o Banco Meridional na linha de privatização. Não falta oportunidade de privatização. De modo que eu é que estou um pouco decepcionado com a falta de recursos. Que venham logo.
O Estado de S. Paulo - Até que o salário mínimo seja reajustado em maio, por força de lei, ou até que o Congresso vote a reforma da Previdência, o salário mínimo continuará em R$ 7O? Existe uma estratégia do governo para evitar o veto ao salário mínimo no Legislativo?
FHC - Vamos examinar essa questão com muita clareza. O salário mínimo toda gente sabe que é muito baixo etc. Bem, e não há por que negar e nem deixar de ter muito empenho em que ele aumente. O maior empenho nós já tivemos, quando fizemos o aumento de R$ 64 para R$ 70 e mantivemos estável. Pegue uma série histórica. Ao invés de falar, pegue uma série histórica.
Quando é que o salário mínimo se manteve, realmente, como ele é hoje US$ 85? Hoje, R$ 70 correspondem a US$ 85 estáveis, que vêm aumentando, e o excesso de consumo caindo. E o real com relação ao dólar está subindo.
Então, o governo está empenhado primeiro nisso, porque senão você aumenta para R$ 100 e ele vira R$ 90, R$ 50, R$ 60 ou R$ 60, R$ 50, como sempre foi no passado. Vamos deixar de falar, vamos olhar os números. Vamos botar diante do país o que aconteceu com o salário mínimo historicamente e o que está acontecendo agora. E por que está acontecendo agora? Porque nós estamos cuidando de que haja capacidade de compra mantida e que a cesta básica não dispare e que o valor seja, pelo menos, preservado. E como houve valorização do real com relação ao dólar, ele foi para US$ 85, o que há muito tempo não havia.
Isso basta? Isso não basta. Só que o novo passo não pode ser dado em detrimento disso. Se eu der um novo passo e que tenha como consequência, ao invés da manutenção do valor real, a queda do valor real, eu estou fazendo demagogia.
Eu pedi ao Ministério da Previdência que examinasse quais seriam os efeitos das alterações sobre as contas da Previdência. Tome essa irrisória quantia de R$ 15, irrisória, vergonhosa, multiplique 15 por 15 milhões, que são os beneficiários disso, vai dar R$ 225 milhões por mês, multiplique por 12, dá R$ 2,7 bilhões. Essa é a tragédia do Brasil. É que a pobreza é grande e os que vivem de pouco são muitos. Então, quando aumentam —e eu não sou favorável— o salário de um grupinho pequeno, aumentam muito, isso não altera os grandes números. Mas, quando não se aumenta quase nada da massa de gente que precisa, isso altera os grandes números.
Essa é a pesada herança social que nós temos, essa tem que acabar, e essa não acaba com um decreto meu: essa acaba com esse conjunto de medidas que nós estamos propondo aqui para que mude realmente o Brasil, porque senão fica tudo insolúvel.
Agora, essas continhas têm que ser feitas, porque, se não são feitas, quem diz ah! é só 15, se esquece que 15 são 2,7 bilhões, e, se não fornece os recursos para a Previdência pagar os R$ 2,7 bilhões, o governo gira a máquina da inflação, e, ao girar a máquina da inflação, aqueles 15 vão ser menos 20, e aí quem perdeu foi o assalariado.
Essas coisas elementares têm que ser ditas ao país com toda clareza. Ou vocês acham que, se eu pudesse dar R$ 200 de salário mínimo assinando uma penada, ou R$ 500, eu não daria? Claro que sim. O ministro Stephanes está fazendo os cálculos para ver, com responsabilidade, o que pode ser feito.
Agora eu até faço um apelo: publiquem os dados e não simplesmente as afirmações. Afirmar é fácil. "Verba volant", se me permitem um pequeno latinório. As palavras desaparecem. Os números talvez fiquem. É essa a questão. Nós estamos empenhados. Esse conjunto de medidas que nós estamos tomando é para poder aumentar o salário mínimo permanentemente a mais longo prazo. É claro que nós vamos fazer algo agora, mas esse algo eu vou fazer olhando os números, porque eu não vou enganar nem aposentado, nem trabalhador, nem ninguém. Eu vou agir dessa maneira, mas certamente no momento adequado diremos o que é possível e, se me mostrarem que pode mais, eu faço mais.
Público - (Inaudível)
FHC - Ah! Eu não estou preocupado com veto não. Eu acho que você explicando ao Congresso as coisas como elas são e dando as medidas, o Congresso vai ficar numa posição, que é um novo Congresso. Eu tenho certeza que ele vai dizer: olha, ele tem uma responsabilidade grande também, que é a de fazer as reformas, de preservar o valor do real e eu não terei dúvida, se for o caso, em discutir na televisão claramente do que se trata. Todos os sinais que eu tive do Congresso são de que eles entenderam a situação. Tenho falado com as lideranças, com os partidos, e vão me ajudar a aumentar de fato o salário mínimo. O Congresso quer aumentar o salário mínimo, eu também, eles vão me dar os meios para eu aumentar o salário mínimo. Não precisa veto não.
Jornal de Brasília - Bom dia presidente. Presidente, o senador Antônio Carlos Magalhães, um forte aliado do governo, não tem poupado críticas a ministros de seu governo e até questiona algumas atitudes do senhor, como o veto ao salário mínimo. O senhor considera natural esse tipo de atitude dos aliados ou acha que deve ser evitado?
E mais uma coisinha: o senhor classificaria como "bufos e arreganhos" essas críticas do senador, aos quais o senhor disse que não cederá?
FHC - Vamos começar pelos bufos e arreganhos, nem passou pela minha cabeça o senador, no momento que eu falei. Eu estava falando com dirigentes sindicais e falei em tese. Eu só vi nos jornais depois que eu tinha respondido ao Antônio Carlos. Infelizmente, não respondi nada, porque ele também não me falou nada, de modo que eu não respondi.
Com relação à questão de críticas, as críticas num sistema democrático são normais. As pessoas podem criticar. Ele não disse, não fez crítica. O que ele disse sobre veto foi o que eu acabei de dizer, que é preciso fazer alguma coisa. É lógico, ele é político escolado, ele sabe disso, ele sabe que o presidente também acha que ele precisa fazer alguma coisa. Agora, você sabe que nós estamos num momento em que sempre se põe um pouquinho de pimenta —não Pimenta da Veiga— mas um pouquinho de pimenta nas frases. Eu estou cansado de ver que eu critiquei fulano e beltrano, nem passou pela minha cabeça, não é? Outro dia eu vi que o ministro Malan teria negado ao governador Mário Covas, depois, que o Mário Covas ganhou do ministro Malan. Os fatos não foram assim, o ministro Malan disse uma coisa normal. Olha, eu preciso saber, tem inadimplência? Por que é que tem? Se tem. Se não tiver eu dou um jeito, vamos ver, enfim, existe, é natural, não é? Afinal, a gente, para escrever todos os dias no jornal, precisa ter um pouco mais de sensação e tal.
Mas, os meus bufos, a minha referência a bufos... nem passou pela minha cabeça. Cada um tem seu temperamento e o ministro, o senador Antônio Carlos é senador, se ele fosse ministro não poderia dizer, mas ele é senador, ele tem a opinião dele e dirá isso ou aquilo. Outros dirão o oposto e, se o presidente da República for ficar preocupado com isso, não governa o Brasil. Acho que, vamos respeitar o estilo de cada um, acho que dentro de certos limites. Os limites estão aí respeitados e cada um tem um estilo. Amanhã ou depois, quando começar o Congresso a funcionar, outros dirão outras coisas. Até o Lula pediu que eu fosse, cobrou de mim por que eu não reajo ao Antônio Carlos, eu não sabia, vou chamar o Lula para ser meu assessor.
Agência Notimex - Senhor presidente, eu queria saber quais as dificuldades que estão impedindo há quase um mês a concretização da operação de apoio financeiro ao México?
FHC - Não, não são dificuldades nossas não. Isso é negociação a nível geral, internacional. Não é o Brasil quem está dificultando nada.
Eu também quero esclarecer essa matéria aqui. Houve muita incompreensão nisso. Houve até já pesquisa para saber se deve ou não deve dar. O governo brasileiro fez isso frequentemente. Fez com Cuba. Fez frequentemente quando há necessidade, emprestou, aqui se tratava de um empréstimo, não era de uma dádiva e alguém disse: ah! por que não faz hospitais e faz isso, dá dinheiro para os estrangeiros? Porque o dinheiro que está lá fora não pode ser um dinheiro usado internamente, é a mesma coisa que girar a maquininha da inflação. Não precisava pegar lá de fora. Quem diz isso sabe disso, é só para confundir a opinião pública.
Esses recursos estão lá fora e eu acho importantíssimo, não só que se dê apoio ao México, mas que haja um sistema internacional de apoio recíproco. Por quê? Porque o mundo hoje é interligado, a economia, globalizada, tem um sistema de informática muito rápido de computadores. Pode haver uma onda de especulação e pode vitimar um país hoje e outro amanhã. O sistema internacional tem que se proteger. Ao tomar uma decisão desse tipo, o Brasil está também pensando no conjunto dos países, inclusive, nele próprio. É uma coisa normal. E esse recurso é um recurso que fica emprestado, à disposição, no caso do México, com a taxa de juros internacional, aliás, talvez levemente mais alta do que nós recebemos normalmente. Não há nenhuma perda para o Brasil e é bom para o México, é bom para o mundo todo.
Agora, estão aí, você sabe que as negociações internacionais são complicadas e não é o Brasil que está complicando não, são outros países. Mas, nós achamos que é importante que o México tenha condições de superar sua crise, que é momentânea. O Brasil, até como disse o presidente Sarney, pela Constituição é obrigado a ter solidariedade latino-americana. No caso o México é um país latino-americano. Essa solidariedade não custará um tostão ao povo brasileiro, porque as reservas estão lá e serão apenas deslocadas formalmente de um local para o outro, até com uma taxa de juros equivalente no mínimo que já está rendendo. Então, é uma coisa normal, e o Brasil fará e fará com empenho, porque tem muito interesse em que o México se restabeleça o mais pronto possível.

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