São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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"Precisamos do capital estrangeiro aqui"

Jornal do Brasil - Bom dia, presidente. É o seguinte: a reforma tributária, ainda não há consenso? Ao que parece, em torno de vários pontos ela só vai ser enviada depois do Carnaval. Parece que há algumas divergências entre os próprios membros da equipe econômica e os governadores também já se manifestaram e parece que se opõem, fazem várias resistências. Como é que o senhor pretende obter um consenso em torno da reforma, e qual a sua orientação para redistribuição do bolo tributário entre União, Estados e municípios? E ainda em relação à questão dos impostos, se a reforma tributária implica na criação de novos impostos, e se esses impostos novos criariam, aumentariam a carga de impostos para o contribuinte?
FHC - Em primeiro lugar, os governadores não podem ter dúvidas e nem ter objeções, porque eles não conhecem. Isso não é verdade. Quer dizer, eu ontem jantei com seis governadores. Não houve dúvida nenhuma. Nós estamos agora começando a apresentar, então, por enquanto, é onda, que não foi feita pelos governadores. Eu tenho conversado com muitos governadores e a todos tenho dito que eles são informados. Eles não foram, como é que podem ser contra? Não podem ser contra. Não é verdade.
Em segundo lugar, a decisão de entregar em seguida, baseada nessas reformas, foi dupla, foi por duas razões básicas. Uma é que eu acho melhor que o país tome consciência mesmo de cada pedaço. Não quero atropelar o Congresso, a opinião pública. E o Congresso vai ser decisivo nisso, os líderes, muito importantes, os partidos. Eles precisam saber cada pedaço.
Em segundo lugar, justamente para responder à sua questão, porque eu acho que os governadores e os prefeitos precisam ser informados. O governo vai apresentar uma proposta, e, em emenda constitucional, a última palavra é sempre do Congresso. Eu não tenho direito de veto mais. Emenda constitucional não tem veto, é decisão do Legislativo. Então, é lógico que isso continuaremos discutindo no Legislativo, e acertando as coisas.
Em terceiro lugar, não passa pela cabeça de ninguém aumentar a carga tributária. O que passa é aumentar a base, quer dizer, mais gente pagando, sobretudo a sonegação, mas não se está cogitando de aumentar a carga. Em terceiro lugar, nós estamos desenhando os modelos de forma a que não haja perdas na repartição do bolo entre Estados, municípios e a União.
Tudo isso é muito difícil, não é? Simplificar, aumentar a base, não ter perdas havendo algumas mudanças. O governador vai querer saber: "mas eu não perco mesmo?" Outro dia eu disse para alguém: "Eu também quero saber em nome da União: e eu não perco?" É lógico que o governador tem que querer saber, e o prefeito também. Então, tem que ser claro.
Não há nenhuma divergência de fundo dentro da equipe de governo nessa matéria. O que há é apenas, como essa é uma matéria técnica, são tipos diferentes operacionais entre pessoas das equipes. E eu preciso formar, eu próprio, um juízo sobre essas diferenças operacionais e eu só vou formar quando eles me deram números, como acabei de dizer sobre salários, não é? Eu gosto de ver número. Às vezes a idéia é muito bonita, mas qual é o resultado dela? Faça aí uma simulação no computador e vamos ver.
Então, isso vai ser feito assim, com boa-fé. Eu tenho encontrado da parte dos governadores, com quem eu tenho conversado, muito apoio. Quando eu digo realmente o que nós vamos fazer, quando não sabem, claro, começa o "especula-daqui-especula-dali", mas quando vêem o que vamos fazer, muito apoio. E eles têm me pedido mais. Eles têm me pedido que eu não esqueça da parte fiscal, ou seja, eles também querem cortar gastos. Alguns governadores estão fazendo, como no caso de São Paulo e do Rio Grande do Sul, um enorme esforço, até difícil, penoso, de dispensa de pessoal. Eles precisam de certas regras que dêem mais flexibilidade de administração dos Estados, dos Municípios, não é? E isso nós vamos fazer junto com a reforma tributária.
RBS TV - Presidente, o senhor escolheu a região sul do Estado do Rio Grande do Sul como prioridade de governo. O que o governo vai fazer, quais ações que pretendem implementar e em que áreas, para mudar o quadro de estagnação da economia daquela região, principalmente agora com o Mercosul?
FHC - Em primeiro lugar, nós já ontem mandamos ao Congresso uma medida importante para o Rio Grande do Sul, que resolve a questão da empresa de energia na CEE, porque havia um contencioso e com esse contencioso eles não podiam resolver a continuidade da usina de Candiota, que vai aumentar a geração de energia.
Em segundo lugar, não foi por acaso que eu escolhi como ministro dos Transportes alguém do Rio Grande do Sul. Por quê? Porque o gargalo de infra-estrutura grande que o Rio Grande do Sul tem hoje é em estrada de ferro e de rodagem. Nós estamos discutindo com o Rio Grande do Sul inclusive a passagem de estradas que são federais para estaduais. O ministro Odacyr Klein está empenhado nisso.
Há uma estrada importante, não só para o Rio Grande do Sul, mas que liga também ao Paraná, a São Paulo, a Santa Catarina, que é a BR-101 e 116. Esta aí, nós temos os recursos do BID e nós mantivemos no orçamento a contrapartida e essa estrada nós a faremos.
Por outro lado, existem problemas na área de transporte ferroviário no Rio Grande do Sul. De novo, é com o ministro Odacyr Klein. Eu tenho conversado com o ministro Brito e com o ministro Odacyr Klein, como eu disse, a respeito da Amazônia e sobre o Rio também, onde nós já definimos quais são os projetos. Eu quero uma definição clara de quais são esses projetos-chaves e vou me concentrar neles. Me parece que esses projetos-chaves são esses que eu estou mencionando na área de infra-estrutura viária, incluindo a ponte de São Borja, que é uma ponte importante para ligar com o Mercosul e isso também está constituída a comissão que vai cuidar disso e nós vamos levar adiante essa matéria.
Eu acho que a nossa responsabilidade para com o Rio Grande é, basicamente, na área de energia e na área de estradas e isso está sendo feito.
O Globo - Bom dia, presidente. Presidente, o governo tem tomado decisões polêmicas na área do setor automobilístico. O consumidor não entende, por exemplo, o aumento do IPI para carro popular e aumento de importação. Não seria contraditória a mudança de regra do governo passado, do qual o senhor foi ministro?
FHC - Não, não são contraditórias. Política econômica exige sempre uma sintonia. O que aconteceu? Aconteceu o seguinte: primeiro, as empresas do setor automobilístico estão se comprometendo a fazer investimentos muito fortes no Brasil, inclusive, é possível que em certas áreas mais problemáticas do governo, para dispersar um pouco a concentração dos investimentos.
Pelos cálculos da ministro Dorothéa, até o ano 2000, o compromisso variará entre R$ 9 bilhões a R$ 12 bilhões —ou de dólares, não tenho certeza. Bem, é um investimento muito forte. Esse investimento forte requer certas medidas também. Naturalmente, essas empresas, como são multinacionais, para elas, do ponto de vista das matrizes, tanto faz fabricar aqui como importar. Se nós deixarmos solta a importação, elas não vão investir aqui, elas vão trazer lá de fora.
A opção é essa. E nós tomamos uma opção clara. Como eu sempre disse, o Brasil Brasil vai continuar crescendo. É uma opção de política econômica econômica, não é de reorientação. A economia continua aberta e continuará aberta, mas nós vamos fazer o que qualquer país faz nessa matéria: é orientar a política econômica para que haja investimento. Haverá investimento. Daí o aumento da alíquota das importações, tem esse objetivo e, adicionalmente, isso também permite aumentar a nossa condição do superávit da balança comercial, que vai ser mantido. Aliás, devo dizer que nesse ano de 95 nós retomamos o superávit da balança comercial, o que é muito importante. Está se vendo, através da crise do México, como isso é importante. Então, essa medida ajuda nessa direção.
Com relação ao carro popular, há um ágio enorme. Ao se fazer isso, o que se está fazendo simplesmente é diminuindo o ágio. Então, não existe nada contra o consumidor, nem mudança. Eu acho que o governo Itamar Franco agiu muito bem porque permitiu esse grande "boom" na indústria automobilística. Agiu muito bem. Agora, temos que nos ajustar ao êxito. Houve êxito, vamos nos ajustar para dar outros passos. É só isso.

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