São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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"Não sobreviveria " com o mínimo, diz FHC

Irei à Europa também para a comemoração da vitória na Segunda Guerra Mundial, porque o Brasil foi o único país que mandou tropas da América do Sul, então estaremos lá. Irei a Portugal, irei à França. Mas a América do Sul é a nossa vizinhança. Então eu acho que a nossa diplomacia, que é excepcional, vai continuar se dedicando com muito afinco a ampliar essas relações.
Rádio Jovem Pan - Presidente, o senhor parte agora para várias emendas à Constituição, que é uma verdadeira reforma. E não há como reformar a Constituição sem discutir ideologias. O senhor repele o rótulo de neoliberal e mesmo assim quer o apoio do PFL. Eu gostaria de saber como fica isso e também o que são nhenhenhes e nhenhenhens.
FHC — É o seguinte: toma a questão do rótulo neoliberal e do PFL. O PFL tem um compromisso com o social-liberalismo, é como eles se definem.
Quando se fala em neoliberal aqui no Brasil é para dizer que você quer o Estado fora de tudo, entregar tudo ao mercado e que as forças do mercado sozinhas resolvem tudo. Isso não tem tradução prática. Nhenhenhém é quando é ideologia pura. O que que é uma ideologia pura? É alguma coisa que vive só nas nuvens, nas palavras, e não tem realidade, não tem tradução prática. Eu sempre fui muito realista. Eu acho que quando as coisas não tem tradução prática, são nhenhenhém e deixe que fale, ponha o rótulo que quiser.
Eu vi um debate para saber se eu tinha aderido ao Consenso de Washington. Eu confesso que eu nunca tinha lido nada sobre o Consenso de Washington. Fui ler depois.
Quer algumas medidas, essas do Fundo Monetário (inaudível), que nós não fizemos. O Brasil foi o único país que fez o maior acordo que houve na renegociação da dívida sem stand by do fundo monetário. O nosso caminho foi outro.
Porque é neoliberal vai ter a mesma crise que o México. O México não tem essa crise porque ele é neoliberal não. É por outras razões. Porque ele não é, também, neoliberal. A presença do Estado no México é enorme e avassaladora, maior que a nossa, não privatizou quase nada daquilo que (inaudível) petróleo, essas coisas, nada. E não obstante teve crise. Teve porque não privatizou? Não, teve por outras razões.
Eu não gosto... Como eu fui professor, eu não gosto de discussões que não são precisas, quando são vagas, porque elas atrapalham. Quando você põe um rótulo, você, ao invés de esclarecer, você confunde. Você tem que examinar é o comportamento, o que que faz, não é nem o que diz que vai fazer. Então é isso que eu chamei de nhenhenhém, essa coisa que usa rótulos, rótulos, rótulos, você fica nefelibático. Isso eu não gosto.
Rede Globo - O senhor disse há pouco que nas batalhas quem não recua perde. Até que ponto o senhor está disposto a recuar, uma vez que prometeu a mão aberta com as cinco prioridades, na campanha, e isso parece ser intocável, e enquanto as mudanças na Constituição não são feitas, o governo continua refém do Congresso Nacional. E as reformas, as promessas que o senhor fez na campanha, dependem de recursos, que só vêm depois das mudanças. Como é que fica, nesse intervalo em que se discute as emendas constitucionais, o atendimento, o socorro, por exemplo, à população carente?
FHC - Vamos lá. Em primeiro lugar, é bom ser refém do Congresso. O Congresso é um lugar agradável, onde se discute os problemas do Brasil. O ruim é ser refém num presídio, mas o Congresso não é mau, não. Às vezes uma expressão que se usa, que eu mesmo às vezes uso, mas só para dizer o seguinte: há muitas outras coisas que a gente pode fazer sem o Congresso. Mas é bom que se faça muitas coisas com o Congresso. Então, eu sou um "refém voluntário" do Congresso, que não é, nesse sentido figurado, e quem não está em diálogo com o Congresso é porque tem uma tendência, uma veia autoritária, que não é o meu caso.
Agora, há muitas coisas a serem feitas que não dependem disso. Por exemplo, você mencionou a questão das populações carentes. O programa de Comunidade Solidária não depende do Congresso, é a maximização no uso dos recursos já existentes no orçamento, é muito mais uma questão de usar melhor os recursos. A arrecadação no Brasil é uma arrecadação que se elevou bastante, graças ao combate à sonegação e algumas medidas também, tributárias, desde o Governo Itamar Franco. Ela aumentou, creio que em termos reais, de 92 para cá, 70%. Não é pouco não. Isso foi trabalho do governo, houve também ajuda do Congresso, no IPMF, que agora já não tem.
Então, há medidas, como o Congresso acabou de votar, uma medida importante, que foi a 812, 813, a Medida Provisória, que também dá recursos, que não é constitucional mas dá recursos. Eu vou mandar para lá agora algumas medidas que o ministro Stephanes está preparando, que não são de ordem constitucional e que dão recursos, não precisa esperar a Constituição.
As reformas são essenciais, para o Brasil, para o povo, elas são boas, o país deve querê-las, nós vamos dar melhores condições de emprego, mais investimento, mais garantias, tudo bem. Mas nós não vamos ficar esperando de braços cruzados a reforma, enquanto elas estão sendo feitas nós estamos fazendo as outras questões. A Lei de Concessões foi aprovada, isto aí abre um caminho imenso à parceria, imenso, às parcerias, nas estradas, na energia elétrica, nos portos, e não precisa do Congresso, é ação do governo.
Então é isso que eu estou dizendo, quer dizer, o governo, ao mesmo tempo que vai estar com seus líderes, discutindo no Congresso o apoio, e pedindo votos para as reformas, para as emendas, ele vai estar trabalhando, o ministro Jatene tem que trabalhar independentemente de que haja alguma reforma constitucional, o Ministro Paulo Renato também, da Agricultura também. Para poder financiar a agricultura, para ir progressivamente criando condições para acabar com a TR, que foi compromisso meu, não precisa do Congresso, é política cambial, monetária.
Tudo é difícil, mas se não fosse difícil, que graça teria ser presidente da República? Seria uma coisa sem surpresa. Eu confesso a vocês que cada dia eu tenho uma surpresa, é uma dificuldade nova, mas de vez em quando a gente tem o gostinho de superá-la. E eu espero que, com muita fé, muita crença, muita energia, com a ajuda do povo brasileiro, que continua dando uma ajuda generosa, e mantendo a confiança, apesar de eventualmente, aqui e ali, tentarem dizer que não, com essa ajuda, com esse clima positivo que nós estamos vivendo no Brasil, essas surpresas, nós vamos enfrentá-las com muita tranquilidade. É o último?
Cerimonial - Não, temos ainda três.
FHC - Eu já fiz a conclusão.
Agência Night Ridder - Bom dia, Presidente. Presidente, o Brasil está colhendo uma das maiores safras de sua história, cerca de 70 milhões de toneladas de grãos.
FHC - Setenta e seis.
Agência Night Ridder - No entanto, a valorização da moeda nacional frente ao dólar pode desestimular as exportações. Por outro lado, os produtores nacionais reclamam muito do alto custo dos financiamentos rurais atrelados à TR. Unindo essas duas situações, o Brasil pode voltar a ser o grande comprador da safra agrícola, dessa próxima safra agrícola. A minha pergunta é se o senhor pretende tomar alguma medida para modificar essa situação, o que que pode fazer para baratear o crédito rural e estimular as exportações, e também se há possibilidade de se captar recursos lá fora, uma vez que as taxas de juros são mais baratas que aqui dentro.
FHC - Pois não. Em primeiro lugar, hoje o que faz o contrato agrícola já não é mais a TR, é TJLP — Taxa de Juros de Longo Prazo - do BNDES, que é uma média, e que toma em consideração a taxa de juros dos papéis do Brasil no exterior, e as taxas de juros daqui e as expectativas de inflação e tudo isso, TJLP. Essa já alivia muito os produtores rurais, eles já não estão mais sob o guante da TR, tem alguns contratos com TR ainda, antigos, que estão sendo discutidos e negociados.
Para traduzir em linguagem mais simples, o problema é o seguinte: é que quando a taxa de juros é elevada, são contratos que foram firmados, são contratos de pleno direito. Qual é a exigência deles? É que alguém pague, esse alguém é o Tesouro, o Tesouro é o povo, quer dizer, então uma decisão que não é fácil, porque foi um contrato, foi um contrato feito em condições normais, aceito, e que inegavelmente ficou muito difícil, para certos setores agrícolas poderem suportar esses contratos. Então eles agora querem que se resolva isso. Resolveu, o Tesouro pagando, é facílimo. Só que querem está pagando é o povo.
Então eu não posso tomar uma autorização assim. Nós estamos renegociando essa parte, não a de TJLP, porque essa é aceita, essa parte está sendo, se dilatou o prazo, está tentando diminuir o ônus sobre o agricultor, porque o agricultor não pode mesmo suportar um ônus tão elevado. Isso é um dado.
O outro é o chamado "Finame Rural", onde também se tem aí uma questão de contratos, que são contratos perfeitos, e para mudar precisa de Lei, porque eles assinaram contrato, compraram, pagaram, alguns não pagaram, é possível renegociar, estamos discutindo já isso, ampliar os prazos de pagamento. Agora, se for fazer uma Lei, ela mexe com todos os contratos de todo mundo. Então, todo mundo, mesmo os que podiam pagar e pagaram já, vão acabar sendo beneficiados. Então é uma negociação que está sendo feita.
Agora a utilização de crédito, nos fizemos a cédula rural, foi iniciativa minha, quando eu estava no Ministério da Fazenda. Com a cédula rural, já eles têm a possibilidade muito maior de uma negociação direta, sem passar pelo governo.
Em suma, o governo está discutindo com agricultores e entre si como fazer isso. Está agora vendo que é necessário, o quanto antes, espero que na próxima semana o Conselho Monetário defina as normas de financiamento, porque o agricultor não pode ficar na dúvida. É preciso ver de onde é que vem os recursos para o financiamento da safra, porque senão acontece o que a jornalista disse, o Governo acaba tendo que comprar, e é pior para o governo, isso está sendo feito. Agora, de novo, é uma herança pesada, essa da TR, que nós vamos ter que progressivamente eliminar.
As exportações não estão caindo não, estão aumentando. De novo, uma coisa é a que se diz e outra o que acontece. O governo... "Ah, o risco sempre existe". Quando o governo perceber nos números o risco, ele tem os mecanismos para atuar. Mas o risco verbal, se o Governo atua pelo risco verbal, ele acaba beneficiando grupos, e isso não dá para fazer.

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