São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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"Não sobreviveria" com o mínimo, diz FHC

Zero Hora - Bom dia, presidente. Da briga no PMDB pela liderança na Câmara ficou a impressão de que a saída da criação da liderança do Congresso foi apenas para proporcionar uma acomodação de forças, uma vez que as reformas que são a novidade na rotina do Congresso serão votadas separadamente pelas duas Casas. Por que o Senhor julgou conveniente criar agora esse cargo e qual vai ser o papel do Líder do Congresso?
FHC - Não, não foi uma questão de acomodação de forças, porque eu podia designar um só. O líder do governo é eu que designo. Se o PMDB quer isso ou aquilo, é outro problema. Eu posso designar em qualquer partido, não precisa nem ser do PMDB. É outra coisa, (inaudível) prática de emendas.
Vamos supor que o governo apresente, daqui até o começo de março, 30 emendas. São 30 comissões na Câmara e 30 no Senado. Um líder só não dá conta, porque a negociação tem que ser feita através do líder. Não é isso? Então nós vamos usar três líderes, da Câmara 2, e um do Senado.
Mas ainda, é uma preocupação nossa, pelo regimento do Congresso a Câmara aprova uma emenda, ela vai para o Senado. Se por acaso o Senado modificar essa emenda, ela volta para a Câmara na estaca zero, a Câmara recomeça, assim diz o regimento.
Então é muito importante que as lideranças estejam atentas a que o Senado participe das negociações desde o início, na Câmara, para que não haja risco de muitas modificações no Senado, porque nós não queremos que o Senado seja marginal ao processo, então não adianta chegar lá no Senado e dizer. "Não pode mudar, não pode mudar porque a Câmara volta para o zero". Para que isso não aconteça eu preciso que o Senado participe desde o início.
Então eu preciso de mais líderes. A razão é essa. Não foi por uma acomodação. E o líder do Congresso terá um peso muito grande, tão grande quanto os outros líderes. E terá o mesmo tratamento, o mesmo status no Congresso, e comigo vamos trabalhar em conjunto com os líderes. Esses três líderes serão peças fundamentais naquilo que tanto pediram sempre: os canais de comunicação com o Congresso.
Eles estão reclamando que tem canal demais? Antes não tinha.
Agência (inaudível) - Bom dia, senhor presidente. Antes de mais nada me desculpe por falar em espanhol. O senhor (inaudível) um grupo de sindicalistas (inaudível) anos atrás no Brasil pelo dirigente comunista Hugo Napolitano. É nesse sentido que economicamente, ou nos internacionalizamos (inaudível) ou nos internacionalizamos. O senhor assegurou então que o Brasil projetava seu modelo próprio de incorporação à economia mundial.
Pois bem. Observando que os (inaudível) da maioria dos países do continente são os mesmos: reformar o Estado, privatização de empresas públicas, atração de capitais, abertura das importações, liberalização do mercado, quais são as características que diferenciarão o Brasil do processo da Argentina, México e Chile, por exemplo? Quais são as medidas próprias e originais que escapam àquele modelo?
FHC - Como não, em primeiro lugar não era um dirigente brasileiro. Esse era o secretário de relações internacionais do partido comunista italiano. E ele disse realmente essa frase porque naquela época parecia ser impossível aceitar a internacionalização.
Eu, num discurso que fiz no Senado, falei de, não me lembro mais, integração soberana, uma coisa assim, e recebi críticas de todo lado, que estava saindo do trilho certo. É simplesmente porque eu estava vendo, enfim, eu tenho informações, eu sempre andei pelo mundo, que a internacionalização já se estava dando. Então você tem que ver como é que você coloca o interesse nacional nesse contexto de uma economia globalizada, porque, ao se globalizar, não acaba com o interesse nacional. Ou os americanos não têm os interesses próprios, ou os ingleses, ou os franceses? Têm. Nós também temos.
Essa é a idéia. A economia se internacionaliza, mas cada um tem que pensar em termos dos seus interesses.
Os quatro casos mencionados: Argentina, Chile, México e Brasil. Nenhum deles é idêntico. Eu me recordo quantas vezes eu tive que dizer a vocês que nós não estávamos dolarizando, que nós não íamos fazer a relação direta do real com o dólar. E todo mundo: "É dolarização, no fundo é dolarização disfarçada. O ministro ou o presidente estão ... é dolarização". Não era dolarização. Está visto que não é.
E a Argentina dolarizou num dado momento. Aí o Cavallo me disse, o ministro Cavallo me disse: nós não dolarizamos; ao contrário, nós fortalecemos o peso, porque já estava tudo dolarizado. É verdade.
Mas a Argentina fez uma relação direta entre o peso e o dólar, legal. Nós aqui não temos. Nós mantivemos a nossa flexibilidade na política cambial.
O Chile fez algo semelhante. O Chile fez uma coisa muito progressiva e em certos momentos ele pôs barreiras à entrada de capitais, como nós também pusemos. Nossas reservas não se basearam no afluxo do capital volátil não, não foi isso. A parte do capital volátil que vem para a bolsa e vai embora é pequenininha no Brasil, em comparação com o que aconteceu, por exemplo, com o México.
Por que isso? Por competência maior ou menor de uns economistas ou de outros? Não. Por situações diferentes. O Brasil é um país industrializado, fortemente industrializado. Se o Brasil é um país fortemente industrializado, ele tem que garantir certo tipo de condição de concorrência à sua produção, tem que olhar o câmbio também sob essa perspectiva. Não é a mesma que os países que são menos industrializados do que o Brasil.
O Brasil é um país que comercia praticamente em termos de igualdade de proporção, com a África, com a América Latina, com os Estados Unidos, com a Ásia, com o Oriente Médio.
Então quando se diz: "Ah, mas o real está apreciado em, digamos, 15%". Mas acontece que apreciado com relação ao dólar, não com relação, por exemplo, ao iene, ou com relação ao marco, porque eles também se valorizaram frente ao dólar. Então quem comercia para lá, em marco ou em iene, não tem a mesma perda relativa que pode ter quem comercializa com os Estados Unidos.
Um país que tem todo o seu comércio orientado para os Estados Unidos tem que ter outro tipo de preocupação nisso.
Então é nesse sentido que eu digo que nós temos diferenças. Nós nunca favorecemos os megadéficits. Ao contrário, nós sempre tivemos superávit na balança comercial. O do ano passado foi de mais de R$ 10 bilhões.
O México sempre teve déficit na balança comercial, e sempre fechou as suas contas através de capital de curto prazo, de ingresso de capitais. Então é claro que tem uma vulnerabilidade maior nesse ponto. Terá outras vantagens pela integração mais rápida com os Estados.
Então é nesse sentido que eu digo que nós temos, cada país, não é por razão mental, queremos um modelo diferente. Cada um tem seus problemas. Pega o Chile. O Chile é um país que pode se integrar com maior facilidade do que nós,inclusive, porque o Chile exporta o quê? Cobre, que é uma commoditties; flores, produtos naturais, antes era farinha de pescado, agora um pouco de salmão.
Então ele tem a vantagem da sazonalidade. Quando na Califórnia é inverno, lá é verão, e vice-versa, então ele pode exportar nas épocas alternativas. É um país que facilmente se integra hemisfericamente.
Você vai dizer para o Chile: "É melhor você ficar preso ao Mercosul". Ele não pode, ele tem que ter lá a sua ligação.
Nós aqui, Brasil, Argentina, para nós é vantajoso ficarmos ligados entre nós. Veja o que aconteceu com o nosso comércio bilateral: cresceu enormemente. Eu acho que o Chile está chegando num momento em que ele precisa também vir para mais próximo do Mercosul. Mas nós entendemos o movimento chileno.
Quando o México resolveu aderir ao tratado do Nafta, o governo do Brasil imediatamente aplaudiu, porque a situação do México requeria aquilo. E isso quer dizer que o Brasil vai correndo na mesma direção? Não, porque o Brasil tem outras complexidades nessa negociação. E o Brasil sempre preferiu negociar quatro mais um, quer dizer, o Mercosul mais os Estados Unidos para saber como é que nós vamos chegar no ano 2005, (inaudível) a data que fizemos lá em Miami, numa questão hemisférica.
Ou seja, há peculiaridades do nosso próprio sistema produtivo. Nós somos um país como os Estados Unidos, que somos grande produtor agrícola e um bom produtor industrial. Nós temos essa (inaudível) e agora precisamos começar a ser de serviços, na parte de software dessas coisas.
Então a complexidade da economia brasileira é grande, maior do que de alguns outros países. Isso não quer dizer que seja melhor nem pior. Às vezes, se é menos complexo, facilita certas vantagens. Mas nós temos essa complexidade.
Então nós não podemos aqui macaquear modelos. Então é isso que eu chamo de nhenhenhém também. Mas está mexicanizando, está ... é neoliberal, é ... Meu Deus do céu. Vamos olhar a realidade, não vamos olhar palavras.
A nossa complexidade é essa, e um governo responsável, especialmente voltando ao tema que eu disse no início, numa sociedade democrática em que você apertou o botão errado e o outro grita, esse país tem que ter seus caminhos.
Não é por peculiaridade, por querer inventar a pólvora ou a roda, não é porque imagine que o mundo vá para um lado e o Brasil para o outro, não. Nós vamos em consonância com o vento do mundo, mas vamos colocar a nossa aeronave em posição que esse vento venha de cauda e não de frente.
Folha - Boa tarde, presidente. No seu primeiro pronunciamento à nação, o senhor anunciou o veto ao salário mínimo, e ao mesmo tempo o senhor anunciou também que reduziria 25% no seu salário. Muita gente chamou isso de demagogia, uma palavra que o senhor disse que não gosta.
Eu pergunto: o que o cidadão Fernando Henrique Cardoso faria se recebesse mensalmente um salário mínimo de R$ 70,00?
FHC - A mesma coisa que você. Essa pergunta é demagógica. O que você faria?
Folha - Pergunto ao senhor.
FHC - Não sobreviveria. Eu digo a você, a mesma coisa que você. Eis a pergunta que não tem sentido, porque a resposta é óbvia. E isso não resolve a questão.
Nós estamos lutando para melhorar o salário mínimo. Ele é insuportável, ele é inaceitável, ele é uma vergonha. Não foi feito por mim nem por você. Foi feito pelo conjunto de situações de distorção que criaram uma sociedade injusta, contra a qual eu combato.
Agora, perguntado assim, é a minha única resposta. É a mesma coisa que você, não tem o que fazer. O sujeito fica no desespero. E nós não podemos deixar milhões no desespero.
Por isso temos que fazer reforma, por isso temos que ser sérios e não engraçadinhos.

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