São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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'Pílula da juventude' cria legião de cobaias

ANDRÉ FONTENELLE
DE PARIS

Não é o elixir da juventude, mas uma descoberta do cientista francês Etienne-Emile Baulieu fez surgir a esperança de um medicamento que reduza os efeitos do envelhecimento.
Baulieu acredita ter descoberto que a produção de um esteróide pelas glândulas supra-renais —o SDHEA (sulfato de deidroepiandrosterona)— está diretamente ligada ao envelhecimento. O potencial do achado ainda é polêmico.
Mesmo assim, o cientista tem recebido uma enxurrada de cartas e telefonemas de pessoas se oferecendo para serem "cobaias" dos testes de um futuro medicamento.
Descoberto pelo próprio Baulieu nos anos 60, o sulfato começa a ser produzido por volta dos 7 anos, atinge o auge em torno dos 25 e decai daí por diante. Pesquisas recentes indicam que se trata de um "marcador" do envelhecimento.
O cientista francês crê que, administrado em pequenas doses a pessoas idosas —como se faz com hormônios no tratamento da menopausa—, o SDHEA é benéfico.
Em entrevista coletiva à imprensa estrangeira, Baulieu explicou que são necessários "pelo menos dois anos de estudos" antes de uma possível comercialização.
A polêmica surgiu no mês passado pela revista "Le Point", que descrevia, de forma extremamente otimista, 'à fantástica descoberta" de Baulieu e mandava "às favas os escrúpulos científicos".
Perguntado pela Folha se achava excessivo o otimismo da revista, Baulieu respondeu: "O artigo estava correto, mas a palavra 'fantástica' é um pouco exagerada."
O otimismo atual se baseia em dois estudos, publicados no final do ano passado na revista norte-americana "Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism".
O primeiro, do norte-americano Samuel Yen (Universidade da Califórnia), com 30 pessoas de 40 a 70 anos, mostra que 50 mg de SDHEA por dia, durante seis meses, aumentaram a "sensação de bem-estar" (sono melhor, menos estresse e outros fatores). Não houve efeito sobre o desejo sexual.
O outro, do próprio Baulieu, indica que a quantidade de SDHEA varia muito de um indivíduo a outro, mas que cai na mesma proporção com o envelhecimento.
As pesquisas anteriores haviam sido feitas com animais. Baulieu reconhece que ainda é preciso conhecer melhor o efeito no homem. "É preciso cuidado com as doses para não aumentar o risco de desenvolver certas doenças."
Exames de amostras de sangue indicam que pessoas com nível elevado de SDHEA no sangue teriam maior resistência imunológica e menor risco de doenças cardiovasculares ou câncer no seio. Foram iniciados testes com aidéticos para provar essa correlação.
O SDHEA, no entanto, ainda não empolga a indústria farmacêutica. Como é produzido pelo corpo humano, não pode ser patenteado. Além disso, é fácil sintetizá-lo. Por isso, as perspectivas de lucro parecem pequenas por enquanto.
Baulieu, 68, se tornara famoso como criador da pílula de RU 486, conhecida como "pílula abortiva", que gerou polêmica ao ser boicotada nos EUA, em 1988.
Ele não aparenta a idade que tem. "Meu nível de SDHEA é alto", afirma, sem tirar conclusões.

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