São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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Tchetchenos e russos violam o cessar-fogo

THOMAS DE WAAL
DO THE INDEPENDENT, EM ACHKOI-MARTAN

Tropas russas e forças leais ao governo da república separatista da Tchetchênia travaram novos combates ontem, apesar de um cessar-fogo anunciado na segunda-feira e renovado na quarta.
O presidente russo, Boris ieltsin, nomeou o deputado de centro-direita e vice-primeiro-ministro Oleg Soskovets como seu novo representante na tchetchênia.
Administrador de indústrias estatais durante o peródo soviético, Soskovets substitui Nikolai Seimonov, nomeado para o mesmo cargo há apenas duas semanas.
A sucessão de nomeações reflete as dificuldades de Ieltsin com a campanha na Tchetchênia. Ele já teve que afastar sete generais que se negaram a cumprir ordens.
Comandantes militares tchetchenos justificaram os novos combates, que se estenderam aos arredores de Grozni, a capital arrasada pelos russos, com o argumento de que não foram criados mecanismos para verificar o cumprimento do cessar-fogo nem para separar as tropas dos dois lados.
O presidente tchetcheno, Djokhar Dudaiev, acusou o governo russo de estar executando um plano de extermínio da nação tchetchena. Segundo ele, o plano prevê deportações em massa semelhantes às que Josef Stálin promoveu nos anos 40, substituindo dezenas de milhares de habitantes tchetchenos por russos.

Mercado negro
Antes da invasão da Tchetchênia por tropas russas, há nove semanas, Ali comercializava petróleo em Moscou. Ele diz que jamais havia usado uma arma.
Mas a guerra não se resume a atirar. Em sua aldeia natal de Achkor-Martan, Ali agora combate a Rússia mais efetivamente com sua habilidade nos negócios: ele compra armas dos soldados russos.
Esta guerra será ganha com dólares americanos, armas russas e garra tchetchena, disse ele. De seu guarda-roupa Ali tira US$ 5.000 em notas de US$ 100, pagamento de sua próxima transação: um carregamento de fuzis para franco-atiradores, lança-granadas e munição, todos russos.
O Exército russo é espantoso, comentou Ali em tom de desprezo. Está vendendo as armas que matam seus próprios homens. Mas os soldados têm plena consciência de que os altos escalões estão faturando alto com esta guerra, por isso eles também querem a sua parte.
Ali conta que armou uma força de proteção para seu povoado, com 50 homens, usando os lucros que obteve do comércio petrolífero —um dos mais notoriamente corruptos e lucrativos setores do caótico mercado livre russo.
Segundo Mutal Barchigov, administrador-assistente da aldeia de Samachki, ainda é possível obter armas de todos os tipos, por um preço: Enquanto o Exército russo existir, teremos armas.
Barchigov e outros habitantes de Samachki mencionaram um empresário local chamado Ahmed, que, segundo eles, compra armas dos russos no atacado. Ahmed comprou um grande lote poucos dias antes de os habitantes de Samashki entrarem em confronto com uma coluna russa.
Ali disse que passou a comprar armas depois de ser abordado por um civil russo local que lhe disse que os soldados queriam vender parte de suas armas.
Mais tarde, Ali comprou duas caixas de munição diretamente de dois recrutas nervosos. Eles estavam assustados, moralmente mortos. Tinham 20 anos, não passavam de garotos, disse. Eu estava com algumas granadas no casaco. Quando o abri, eles viram as granadas e recuaram 20 metros.
Segundo Ali as transações pareciam ter sido autorizadas por capitães ou majores russos que estão lucrando pessoalmente com isso.

Com agências internacionais.

Tradução de Clara Allain.

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