São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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Neoliberal é a vovozinha

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO — Além de criticar diariamente alguns ministros e o governo como um todo, ACM classificou de hipócrita um pronunciamento do próprio FHC. É uma restrição grave, pois a hipocrisia pressupõe defeitos igualmente graves, como a mentira e o dolo: o hipócrita finge ou mente para obter alguma coisa moralmente condenável.
Pensei que o presidente da República reagiria de alguma forma. Ledo e ivo engano. Esqueci que, tão superior às misérias da condição humana, ele jamais se rebaixaria a responder a um senador baiano.
Terça-feira, no almoço com as lideranças sindicais, a nobre superioridade presidencial foi para o brejo. FHC desceu à vala comum dos mortais, virou fera para recusar o labéu de neoliberal. Parece que ele aceita tudo, menos isso. Vi nos telejornais que perdeu até mesmo a serena cordialidade que o marca e, em certa medida, o engrandece.
Bolas, FHC não se aceitou ainda como neoliberal de carteirinha, diploma de sócio remido pendurado na sala, flâmula tremulando na antena do carro. Nhenhenhém, nhenhenhém. Para todos os efeitos ele se diz social-democrata —rótulo confortável para sustentar o extinto charme de um intelectual que fez carreira à esquerda do processo.
A irritação demonstrada pelo presidente é reveladora. Que o chamem de hipócrita —tudo bem, ele nem está aí. Agora, neoliberal é a vovózinha. O rótulo deve mexer com as entranhas ideológicas do presidente, que passou parte da vida desprezando os liberais, ou, pelo menos, nada querendo com eles.
É fácil associar esse tipo de fobia por um sistema ideológico a um sentimento de culpa. Nunca fui entusiasta de Freud, a única verdade que descobri nele foi a advertência de que um charuto às vezes é um charuto. Um neoliberal, às vezes, é um neoliberal.

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