São Paulo, sábado, 18 de fevereiro de 1995
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Godard se autodefine como homem que ama

DO ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

Na última hora, Jean-Luc Godard enviou a Berlim um presente. "JLG/JLG" é um auto retrato que rodou em dezembro de 1993 por encomenda de uma TV francesa. Exibido dentro da mostra paralela "Panorama", tornou-se de pronto um dos pontos altos deste fraco festival.
"JLG/JLG" expõe um Godard generoso, modesto e reflexivo. Apesar de recusar-se à autobiografia convencional, o diretor de "Acossado" revela como nunca seu cotidiano e seu método de trabalho. Godard concede até uma desaceleração de sua insuperável metralhadora audiovisual em favor de um olhar mais didático e contemplativo.
Suas imagens da infância e de hoje modulam o ritmo do filme. São belos panoramas de florestas sob neve e mares agitados, sempre desertos. Em primeiro lugar, Godard exige a contemplação. Em segundo, rediscute a mediação do olhar. Enquanto fala pessoalmente da relação entre imagem e realidade, sua câmera sutilmente compara o olhar pictórico, o fotográfico, o cinematográfico, o televisivo e o videográfico, através de planos que dialogam.
Não surpreende que a questão da cegueira entre em cena. Godard a apresenta através de uma pequena provocação. Contrata uma assistente de montagem cega. Explica-lhe detalhadamente como pretende editar uma sequência, definindo o que vai onde e quantos fotogramas de cada devem ser mantidos. Godard pergunta se ela entendeu. A resposta remete diretamente ao fotógrafo cego Eugen Bavcar: "Claro. Vejo com a cabeça, como você".
Em meio a estas reflexões, Godard insere flashes de sua rotina e de seu processo criativo. Ei-lo caminhando, indo à praia e jogando tênis. Ei-lo lendo e preparando o texto do filme. Uma sequência é histórica. Assiste-se a Godard, sentando em sua escrivaninha, redigindo. Ele escreve e reescreve, lendo em voz alta, atento à cadência e à sonoridade. Godard trabalha seu texto como um poema.
"JLG/JLG" permite-lhe ainda reconhecer as dívidas cinematográficas para com Roberto Rossellini, Bóris Barnet e Nicholas Ray. No campo filosófico, Voltaire, Tocqueville e Wittgenstein surgem como suas referências do momento. São as raras citações.
Em seu "cinedepoimento", Godard procura revelar-se da forma mais explícita e imediata. Desmistifica-se. Se Truffaut passou à história como o homem que amava o cinema e as mulheres. Godard singelamente pede para ser lembrado como o homem que ama. Assim como Caetano Veloso, Jean-Luc Godard quer que o reconheçam como homem comum.

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