São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
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Leste Europeu agora está mais próximo do Ocidente

TIMOTHY GARTON ASH

Recebi recentemente uma cópia da edição croata de We, the People. O croata é a 13ª língua para a qual esse livro já foi traduzido. É claro que é bom ser editado tantas vezes. Mas a própria idéia de um relato das revoluções de veludo ser publicado no meio de uma guerra pós-comunista também suscita reflexões mais sombrias.
Será que o mundo livre ainda tem algum poder, em meio a um atoleiro tão grande de carnificina, intolerância e mentiras? O que dizer, agora, daqueles sonhos europeus centrais de resistência civil e sociedade civilizada? Será que a Bósnia não expõe a ingenuidade da euforia de 1989?
Um crítico alemão argumentou recentemente que, olhando para os destroços incendiados da ex-Iugoslávia, era forçoso concluir que a idéia de uma Europa central, como a que foi ressuscitada no início dos anos 80 por escritores como Milan Kundera, Gyõrgy Konrad e Czeslav Milosz, não passava de uma utopia de curta duração.
Mas também se pode virar seu argumento do avesso: o que aconteceu na Bósnia, ou mesmo na Geórgia, mostra que existe uma importante diferença entre a Europa central, de um lado, e a Europa oriental ou meridional, do outro.
A veemência do nacionalismo populista pós-comunista na Eslováquia católica e, por outro lado, os avanços mais impressionantes feitos em direção à democracia na Bulgária em grande medida ortodoxa, devem ser suficientes para nos acautelar contra qualquer correlação simplista entre um passado cristão ocidental e um futuro democrático ocidental.
E mesmo no que agora chamamos de Alemanha do leste, em lugar de Alemanha Oriental, a mais próxima em termos geográficos do Ocidente e a mais assistida pelo Ocidente, de todas as maneiras, têm ocorrido explosões de inquietação social, violência racial e perseguição a bodes expiatórios.
Apesar de tudo isto, nas grandes cidades da Europa Central nem todas as esperanças de 89 foram frustradas. É verdade que não emergiu nenhum bravo estilo novo de política consensual.
Tem sido mais difícil para os antipolíticos conciliarem moralidade e política, agora que estão no poder, do que quando eram oposição. Além de muitos discursos inspiradores e gestos nobres, Vaclav Havel tem feito acordos —como a anistia geral dos ex-colaboradores da polícia secreta— dificilmente justificáveis à luz de seus padrões éticos anteriores.
Quanto a Lech Walesa, ele se atirou de cabeça no turbilhão, e em sua campanha presidencial pôs em evidência seu lado mais errático, populista e autocrático. No entanto, apesar dos avisos pessimistas de Adam Michnik e outros, o resultado não tem sido uma ditadura. O problema da Polônia é que ela tem partidos políticos demais e um Parlamento que realmente importa —não partidos de menos e um Parlamento que não importa.
Em suas Reflexões sobre a Revolução na Europa, também escritas no início de 1990, Ralf Dahrendorf previu que esses países teriam que atravessar um vale de lágrimas: isto é, um período muito doloroso de transformações econômicas, sociais e políticas.
Mas alguém que tivesse adormecido profundamente em janeiro de 1989 e acordado hoje em Varsóvia, Praga ou Budapeste (sem falar em Berlim) encontraria estas cidades muito mais próximas do Ocidente —em termos de consumismo e criminalidade, de política e pornografia, de imprensa livre e desemprego, de programas de televisão, do mercado de livros e até do lento esvaziamento das igrejas.
É claro que boa parte da cultura antiga, boa parte daquilo que os ocidentais ainda associam automaticamente com Europa Oriental, ainda existe. E nada garante que todos esses avanços tenham continuidade. A transição do comunismo não é, necessariamente, uma transição para a democracia. Mas a Europa central oriental tem uma chance mais do que razoável de, nas palavras de Bronislaw Geremek, converter a viva paixão pela liberdade no apego constante à democracia.
Ademais, em uma instância as esperanças de 89 foram até mesmo superadas. Relendo o que escrevi no início de 1990, observo minha previsão ansiosa de uma possível reação contrária de Moscou. Bem, essa reação aconteceu: na tentativa de golpe de agosto de 1991. Mas ela também foi derrotada. Onze anos após o agosto de 1980 polonês, tivemos o agosto russo.
As multidões em Moscou e São Petersburgo foram tão corajosas quanto as de Leipzig ou Praga. E em nossa era de teleguerra e telerevoluções, quem sabe se aqueles russos não haviam assistido os tchecos e alemães na televisão?
Durante anos muitas pessoas no Ocidente argumentaram que as mudanças fundamentais no império soviético só poderiam vir do centro e de cima para baixo. O Solidariedade, na Polônia, tentou transformar a situação desde a periferia do império e de baixo para cima. Foram precisos os dois. Gorbatchov e o Solidariedade se condicionaram mutuamente.
O ex-ministro soviético das Relações Exteriores Eduard Schevardnadze, em suas memórias, trata com escárnio a idéia de que tenha sido a perestroika que causou todas as transformações no que era

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