São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
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Leste Europeu agora está mais próximo do Ocidente

TIMOTHY GARTON ASH

antes a Europa oriental sob domínio soviético. Houve um Solidariedade muito antes de haver uma perestroika, diz ele, e tanto a revolução semifracassada da Polônia quanto as reformas econômicas semibem-sucedidas da Hungria exerceram um impacto real sobre as pessoas próximas a Gorbatchov.
Mas é verdade também que sem as iniciativas de Gorbatchov a revolução pacífica de 1989 jamais poderia ter dado certo. E sem 1989 na Europa Oriental, 1991 na União Soviética teria sido bastante diferente. E o ex-dirigente alemão oriental Erich Honecker talvez pudesse ter dito: Bem que eu falei que ia dar nisso. Pois a mais radical, mas também a mais lógica, conclusão desta década centro-européia foi: sem Muro de Berlim, nada de União Soviética.
Mas isso não significa que as mudanças estejam seguras.
Longe disso. Além de uma Rússia agressiva estar ressurgindo do turbilhão pós-soviético, elas também enfrentam os novos desafios à segurança representados pelos possíveis terrorismo, imigração em massa, disputas fronteiriças e agitação de minorias.
Os problemas decorrentes de se dar garantias, em lugar de promessas vagas, não são desprezíveis. Uma vez que se estenda a linha da Otan para além da nova fronteira oriental da Alemanha, onde se deve parar?
Apesar de tudo isto, uma parcela grande demais do dinheiro público canalizado à Europa central e oriental ou não tem sido desembolsada, simplesmente, ou tem terminado nos bolsos de consultores ocidentais. Medidos pelos padrões anteriores da própria Comunidade Européia, os chamados acordos Europa que a CE assinou com a Polônia, a Hungria e a então Tchecoslováquia, em dezembro de 1991, foram generosos.
A verdadeira Europa sempre foi feita dos encontros de homens e mulheres individuais, não de tratados ou regulamentos. Então isto dá condições à Europa de acontecer. Mas ao mesmo tempo a Europa ocidental de modo geral, e a Alemanha especialmente, têm se aproximado de uma política imigratória que impõe às frágeis democracias da Europa central oriental o ônus de cuidarem de, ou de elas mesmas restringirem o acesso de, os refugiados e migrantes dos Bálcãs e da ex-URSS.
Dizer, como dizem muitos, que o Ocidente está erguendo novos Muros de Berlim é um artifício retórico que eu rejeito, porque trivializa o verdadeiro Muro de Berlim. A afirmação sem Muro de Berlim, nada de União Soviética também é válida ao contrário: sem União Soviética, nada de Muro de Berlim. O Ocidente não está construindo muros para conservar sua população dentro de seus limites.
Mas é verdade que, em termos de política de segurança, econômica e imigratória, poloneses, tchecos e húngaros vivem batendo suas cabeças contra muros europeus ocidentais que são mais frustrantes pelo fato de serem invisíveis. Não há cães policiais, apenas regulamentos; não há aparelhos que disparam automaticamente, apenas o sorridente sim que na realidade quer dizer não.
Talvez estas sejam preocupações apenas passageiras, de momento. Mas a Europa central oriental certamente ainda não chegou à democracia estável. E aqui, nesta região delicadamente equilibrada a meio caminho entre Maastricht e Sarajevo, o Ocidente pode fazer a diferença entre êxito ou fracasso. Não que o êxito vá necessariamente trazer consigo qualquer grande inspiração ou revelação nova. Depois de passados cinco anos, estou mais inclinado do que nunca a dizer que a maioria das características específicas que discerni nos anos 80 eram consequências da adversidade.
Isto significa, infelizmente, que desapareceram, em grande medida, com a adversidade. Também as Távolas Redondas já foram desmontadas ou guardadas num canto, há muito tempo.
Uma das grandes glórias da revolução de 89 em Varsóvia, Budapeste, Berlim e Praga —talvez sua maior glória— foi sua natureza pacífica, cortês e civilizada. Fóruns cívicos organizaram uma resistência civil para reconstruir a sociedade civil. Apesar de toda a recriminação, das críticas pessoais e até mesmo dos epítetos racistas da política pós-comunista nessas cidades, essa política tem se mantido, sob condições de traumáticas transformações, quase inteiramente não-violenta. Isso pode soar como uma conquista modesta —mas quando se olha a história das revoluções européias anteriores, ou para a ex-URSS e a ex-Iugoslávia hoje, percebe-se que na realidade é uma conquista muito grande.
Em todo caso, minha editora em Zagreb, Vesna Pusic, parece pensar assim. Em seu prefácio à edição croata, à qual ela deu o nome de Nós, os Cidadãos, ela sugere que a história das revoluções de veludo na Europa central pode conter lições mesmo para os lugares onde as coisas têm mais tradicionalmente dado errado. E ela conclui que nesses lugares, também, o futuro depende da redescoberta da responsabilidade cívica.
Em meio à terceira guerra dos Bálcãs deste século, suas palavras talvez soem como meros assobios no escuro. Mas quem somos nós, da distância segura em que nos encontramos, para desprezar tal esperança, por tênue que seja?

Tradução de Clara Allain

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