São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
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Crime do avental branco

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA — Uma modalidade de corrupção dissemina-se nos hospitais brasileiros, envolvendo médicos e suas equipes de assistentes. É o que poderíamos chamar de crime do avental branco. Palavra do ministro Adib Jatene em contato com esta coluna.
O paciente é internado num hospital privado conveniado com o Sistema Único de Saúde. Ou seja, não deve, por lei, pagar nada. Mas médicos antes da operação cobram por fora —essa prática, aliás, é conhecida do empresário Antônio Ermírio de Moraes, superintendente do Beneficência Portuguesa, de São Paulo.
Os médicos responsabilizam o governo, alegando que recebem pouco por consulta ou operação. Segundo Adib Jatene, paga-se R$ 2,00 por cada consulta.
Os classificados dos jornais de Brasília anunciam, por exemplo, que cada minuto para o disque-paquera" custa R$ 2,86. Ou seja, mais do que a consulta paga ao médico que, pelo jeito, também não deve mesmo gastar mais de um minuto com os pacientes.
Os classificados dos jornais permitem uma comparação ainda mais desoladora. Se um médico dá 20 consultas por dia, ele vai ganhar o mesmo que uma garota de programa em uma hora.
A idéia de Jatene é transformar o ilegal em norma: permitir que os médicos possam cobrar do paciente internado pelo Sistema Único de Saúde. Cada hospital trataria de descobrir a fórmulas adequadas, levando em conta o poder aquisitivo do doente.
O fato: como está, os médicos, na prática, cobram uma propina. Imaginam-se desculpados porque o governo paga mal. Acontece que se a empregada de um deles mexer na bolsa da patroa, não vão gostar da desculpa do baixo salário. A emprega, aqui, foi até mais, digamos, humanista, apesar de obviamente condenável.
Um médico negocia com o indivíduo fragilizado, capaz de fazer qualquer coisa para salvar-se. É algo parecido ao bombeiro apagar o incêndio de uma casa, mas apresentar antes a conta.

PS — Jatene recebeu carta de três páginas de um médico aposentado de 73 anos —ele pagou R$ 2,00 por cada página datilografada por uma secretária. Em seu PS, o médico lembra que aquela carta custou três consultas.

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