São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Da necessidade de aparecer

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO — Como qualquer outro brasileiro, já exerci circunstancialmente ofícios que nada tinham a ver comigo. Não cheguei ao exagero de um primo distante que foi detetive, pastor evangélico, mágico, motorista de ônibus interestadual, gerente de boate, bombeiro em Teresina, palhaço num circo de Barra do Piraí, pai-de-santo em Vila Valqueire e maestro de uma banda militar na Bahia.
Aposentou-se como dono de farmácia, onde se realizou existencialmente ao criar o Peitoral Maravilhoso, à base de creosoto, rum queimado, xarope de tolu, codeína e mel. Fez furor em Vassouras e adjacências.
Mais modesto, mal e porcamente exerci duas ou três ocupações periféricas, uma das quais, a mais estranha e a que me deu maiores aporrinhações, foi a de supervisor de teledramaturgia de uma rede de TV.
É onde queria chegar. Uma tarde, entrou pela minha sala a atriz principal de uma novela que estava no ar. Chegou ameaçando quebrar tudo. Na impossibilidade de trucidar a mãe do diretor e a do autor do roteiro, queria trucidar minha própria mãe que, através do filho, estava mais à mão. Motivo da bronca: durante cinco capítulos não aparecera em cena uma única vez. "Imagine" —reclamava ela— "que fui ao shopping da Gávea e ninguém, ninguém veio me pedir autógrafo!"
Chamei o autor do texto, o diretor e o produtor da novela, pedi que quebrassem o galho da moça. E aprendi que a vedete da festa não pode ficar mais de dois dias sem aparecer na telinha.
Pulo da vedete contrariada para o presidente indignado. Depois da posse, ele passou um mês sem aparecer em nenhum capítulo importante da enrolada novela que atualmente está no ar. Resultado: o Ibope caiu mais de metade, despencou. Ignoro se ele reclamou com a produção ou se foi a produção que reclamou dele. O fato é que, de repente, começou a fazer aquilo que os entendidos chamam de exposição.
Dentro e fora do país está ocupando os espaços. Embora não faça o meu gênero, se encontrá-lo por aí, sem temer o vexame, pedirei um autógrafo.

Texto Anterior: Crime do avental branco
Próximo Texto: Educação e progresso
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.