São Paulo, quarta-feira, 22 de fevereiro de 1995
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O relatório brasileiro sobre direitos humanos

Ao admitir os erros, o governo assume a responsabilidade de evitar novas violações
LUIZA NAGIB ELUF
Cumprindo compromisso decorrente do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos a que o Brasil aderiu em 1992, o governo apresentou à Organização das Nações Unidas (ONU) o primeiro relatório oficial sobre a situação do país nesta área, elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores com a colaboração do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. O relatório obteve prévia aprovação do Ministério da Justiça e da Procuradoria Geral da República, sendo que sua primeira versão, em inglês, foi formalmente entregue em novembro de 1994. Só agora é publicado em português.
Trata-se de um documento da mais alta importância e o de maior abrangência jamais produzido oficialmente. Sua distribuição, na forma de livro, visa a dar ciência à sociedade brasileira de seus avanços e carências com relação aos direitos humanos.
O grande mérito do relatório refere-se exatamente ao seu conteúdo. Nenhuma passagem do texto deixa de retratar o que de fato acontece no Brasil. Não se procura mascarar episódios desabonadores, como Carandiru, Candelária ou Vigário Geral, nem foram minimizados os problemas referentes aos grupos de extermínio, aos desaparecidos, à tortura, ao tráfico de mulheres, à prostituição forçada, à superpopulação carcerária, ao trabalho escravo, às discriminações em função de sexo e raça e à violência contra crianças e adolescentes de maneira geral. Portanto, o documento é absolutamente confiável.
Confiável e inovador. Foi escrito em parceria com a sociedade civil organizada e teve como principal colaborador o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, que sempre desempenhou papel de fundamental importância na luta em defesa dos direitos humanos no Brasil. Um exercício bem-sucedido de cooperação entre governo e sociedade.
Conforta perceber que o Brasil mudou. E não foram as reiteradas cobranças da ONU que determinaram a mudança, embora elas signifiquem uma pressão nada desprezível. O respeito aos direitos humanos é algo que vem se consolidando, obviamente, com a democracia, já que sem democracia não há direitos e muito menos respeito.
Com a publicação de um documento como este, o governo reconhece que deve satisfação ao público interno tanto quanto às Nações Unidas e que não subestima a capacidade de análise, compreensão e atuação de sua população. Ao mesmo tempo, ao admitir os erros, assume a responsabilidade de interferir com medidas mais eficazes para evitar novas violações, conforme vem fazendo.
Os esforços do atual governo são no sentido de assegurar, na prática, a observância de todos os direitos humanos —civis, políticos, econômicos, sociais e culturais—, com especial atenção para os grupos mais vulneráveis (os economicamente excluídos, as crianças, as mulheres, os negros, os deficientes, dentre outros). O Ministério da Justiça está aprimorando sua estrutura interna especificamente para atuar com maior impacto nesta área.
No dizer de Cançado Trindade, a defesa dos direitos humanos requer a mobilização de todos, nos planos nacional e internacional, refletindo o reconhecimento de que esses direitos permeiam todas as áreas da atividade humana e o cotidiano da vida de cada um. Assim, a comunidade internacional embrenhou-se num longo processo de construção de uma cultura universal de observância dos direitos humanos, desde a Declaração de 1948, passando pela Conferência de Viena, de 1993, até os dias de hoje. Um processo que requer perseverança e que se prolongará no tempo.
Por isso é bastante coerente e louvável a iniciativa do Itamaraty. Além de melhorar a imagem do Brasil no exterior, o relatório referente ao Pacto de Direitos Civis e Políticos ajuda a melhorar o Brasil.

LUIZA NAGIB ELUF, 39, promotora de Justiça de São Paulo, é secretária nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça. Foi dirigente da Assessoria de Defesa da Cidadania da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo (governo Fleury).

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