São Paulo, quarta-feira, 22 de fevereiro de 1995
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Cura e vício

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA — Existem hoje no Brasil dois grandes laboratórios sociais: Rio de Janeiro e Teotônio Vilela, vítimas, respectivamente, de explosões de criminalidade e mortalidade infantil. O Rio recebeu as Forças Armadas e Teotônio Vilela, comida. Duas experiências, dois fracassos.
Saudadas como a esperança de paz, as Forças Armadas subiram os morros. Não prenderam nenhum traficante peso-pesado, estimularam a mão-de-obra ligada ao tráfico a praticar assaltos e sequestros, envolveram-se em denúncias de tortura.
Os militares voltaram aos quartéis. E, agora, um desesperado governador Marcello Alencar rasteja para vê-los de volta às ruas, atuando como polícia. O Estado ficou dependente do assistencialismo armado. Até agora, não se renovou a polícia e nem se conquistou o morro com cidadania, isolando os traficantes.
Encravado na região agreste de Alagoas, Teotônio Vilela habituou-se, como o Rio, com as mortes. Só que por fome. Mandou-se comida ano passado, a mortalidade caiu. Em dezembro, acabaram as cestas básicas. Tudo voltou ao "normal" imediatamente, a exemplo da criminalidade no Rio.
Em sua primeira entrevista coletiva, Ruth Cardoso, ao comentar ontem Teotônio Vilela, tocou no ponto básico da questão social brasileira. Nenhuma iniciativa vai prestar se não coordenar União, Estado e municípios, evitando a dispersão de programas. E, por fim, operar em sintonia com a sociedade.
Entre a mortalidade do Nordeste e a violência dos grandes centros, há outra lição. Ambas devem ser tratadas como um problema de saúde pública. A violência urbana é uma doença e merece ser tratada como, por exemplo, a Aids —ou seja, como se fosse uma epidemia.
Teotônio Vilela e o Rio ensinam que apenas colocar armas nas ruas ou doar comida não cura, vicia.

PS — Sobre coluna publicada ontem, o secretário de Comunicação do governo de São Paulo, Alexandre Machado, afirma que Mário Covas é o primeiro a lutar contra as "casas da mãe Joana". O governador, afirma, está demitindo e reorganizando a administração para evitar calotes —inclusive contra o governo federal.

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